Acheronta  - Revista de Psicoanálisis y Cultura
Lacan con Galileu, ou uma ciencia a procura de um idioma
Gilson Iannini

 

"Suivre la structure, c’est s’assurer de l’effet du langage"
(Lacan, Radiophonie)

Nota Prévia

O estudo que se segue é parte de uma pesquisa que busca entender a problemática estrutura e sujeito na obra de Jacques Lacan, tomando por escopo alguns textos dos Écrits. Nossa pesquisa pode ser vista na perspectiva da hipótese de Milner segundo a qual compreender a relação de Lacan com o estruturalismo é compreender como a doutrina do inconsciente estruturado como uma linguagem permite passar das línguas ao sujeito.

O trecho que ora apresentamos é uma tentativa de entender um aspecto importante que caracteriza o campo no qual se inscreve a problemática do que poderíamos chamar de vertente estrutural do pensamento de Lacan. O estudo das continuidades e rupturas de Lacan com o pensamento estruturalista dependerá deste trabalho prévio de descrição do cenário teórico.

Da vasta gama de elementos que compõem o quadro epistemológico da doutrina lacaniana de meados dos anos 50, destacaremos alguns traços que parecem essenciais a nossos propósitos. Com efeito, segundo nossa leitura, a descrição da vertente estrutural do pensamento de Lacan não pode negligenciar três traços principais e interdependentes: (1) a convicção manifesta por Lacan de que o "caráter prometéico da experiência de Freud" implica uma revolução, uma subversão, principalmente no que concerne ao estatuto do sujeito, o que acabaria por exigir uma retomada dos fundamentos da obra freudiana; (2) essa retomada, por sua vez, deverá ser capaz de estabelecer o lugar fundamental que a linguagem ocupa no empreendimento psicanalítico, sem detrimento de sua vocação científica; (3) finalmente, o emprego da estratégia de redução e formalização que a estrutura proporciona se enquadra na perspectiva delimitada por este horizonte e este norte.

Neste artigo, concentraremos nossa discussão no ponto (2), julgando que a leitura do capítulo sobre o "doutrinal da ciência" do livro de Milner, principalmente no que concerne à ‘equação dos sujeitos’ pode suprir o ponto (1) com vantagens inequívocas. Quanto ao ponto (3) fica para uma próxima oportunidade.

Partimos do pressuposto de que entender uma importação conceitual - no presente caso, estrutura, significante e etc... - é entender em primeiro lugar não o ‘sentido original’ do termo importado, mas o campo onde este conceito será implantado. Talvez a seguinte imagem não seja em vão: os conceitos, modelos e métodos importados funcionam não como sementes, mas como adubo. Mal comparando, entender este plantio exige, como tarefa prévia, entender as características do solo onde se vai lançar este adubo. O fruto que irá crescer dependerá do conjunto destas condições.

A partir de uma leitura de "Função e Campo...", tomado como ‘programa’ do ‘primeiro classicismo’, tentaremos situar a problemática da linguagem na retomada lacaniana da obra de Freud, arriscando levar adiante as consequências de um ‘galileísmo ampliado’.

I. Uma linguistic-turn em psicanálise?

No mesmo texto em que desenvolve a analogia entre os efeitos das descobertas de Copérnico, Darwin e as suas próprias, Freud termina por diagnosticar que "raros, sem dúvida, são os homens que perceberam claramente o quão pleno de conseqüências é o passo que constituiria para a ciência e para a vida a hipótese de processos anímicos inconscientes" . Parece mesmo que Jacques Lacan concordaria com o prognóstico de Freud. Esta nos parece ser também a tonalidade de seu julgamento, já em 1953. Donde a necessidade do retorno a Freud. Retorno que se justifica por conta de um esquecimento, um apagamento de uma importante dimensão do pensamento de Freud.

Assim como poucos terão podido avaliar os efeitos subjetivos da retirada do homem do centro do universo poucos saberão avaliar a incidência da descoberta freudiana. Indo ainda mais longe, observa Jacques Lacan em 1972: o caminhar humano é constituído por algo da ordem do "não quero saber de nada disso" , esta versão pós-moderna daquele adágio de Cremonini.

Na conferência que ficou conhecida como "Discurso de Roma", Jacques Lacan começa por analisar os descaminhos tomados pela psicanálise em seus desenvolvimentos pós-freudianos. Poucos terão sido os homens capazes de apreender o caráter prometéico do pensamento de Freud . Nos anos 30/40, a técnica psicanalítica parece desvirtuada. Os conceitos freudianos mais importantes, eclipsados. Aos defensores de uma psicologia do ego autônomo, Lacan vai, em breve, propor sua releitura do "cogito freudiano", [Wo es war...], que parece ter como premissa escondida a idéia de que o "eu não é senhor em sua própria casa". Aqui a problemática do sujeito começa a se esboçar mais nitidamente, ao mesmo tempo em que exige o retorno aos princípios da experiência freudiana. Criticando a psicanálise à americana e seu approach adaptacionista, Lacan deixa entrever sua preocupação com os princípios da doutrina de Freud:

"É pois a distância necessária para sustentar uma semelhante posição que se pode atribuir o eclipse na psicanálise, dos termos mais vivos de sua experiência: o inconsciente, a sexualidade, dos quais parece que brevemente a menção mesma deva apagar-se."

Reencontrar o sentido "prometéico" da experiência freudiana, sendo fiel à sua vocação científica: tal é o projeto de Lacan, em 1953.

"Se a psicanálise pode se tornar uma ciência - pois ela não o é ainda - e se não deve degenerar em sua técnica - e talvez isso já tenha sido feito - , devemos reencontrar o sentido de sua experiência .

"Não poderíamos fazer coisa melhor para este fim do que retornar à obra de Freud".

Projeto que só se sustenta, que só é possível, ao se retomar os conceitos psicanalíticos desde seus fundamentos, mostrando que estes só podem ser corretamente avaliados se orientados a partir do campo da linguagem.

"Afirmamos, quanto a nós, que a técnica não pode ser bem compreendida, nem portanto, corretamente aplicada, se se desconhece os conceitos que a fundam. Nossa tarefa será de demonstrar que esses conceitos não tomam seu sentido pleno senão ao se orientarem num campo de linguagem, senão ao se ordenarem à função da fala"

Com efeito, para Jacques Lacan, a importância da linguagem é mesmo capital. Negligenciá-la, como teria feito a psicanálise pós-freudiana, significa condenar ao desconhecimento os princípios fundamentais que dominam a experiência freudiana. Não obstante, no mais das vezes, continua Lacan, nem o próprio psicanalista sabe explicar os princípios que governam o campo de sua experiência. O que enseja a necessidade premente de que se o faça.

Este desconhecimento dos princípios fundamentais não é sem efeitos quanto à prática e a técnica. A parte I de "Função e Campo" – "Fala vazia e fala plena na realização psicanalítica do sujeito" – pode ser vista como um esforço teórico de Lacan de tentar articular a originalidade do método da psicanálise:

"Seus meios [da psicanálise] são os da fala na medida em que ela confere às funções do indivíduo um sentido; seu domínio é o discurso concreto enquanto campo da realidade transindividual do sujeito; suas operações são as da história na medida em que ela constitui a emergência da verdade no real"

Na verdade, para além da técnica, é a própria ética psicanalítica que está em jogo. Uma manifestação disso pode ser entrevista no que tange, por exemplo, à direção do tratamento:

"pode-se seguir no fio dos anos passados essa aversão do interesse quanto às funções da fala e quanto ao campo da linguagem. Esta aversão motiva as modificações de objetivo e de técnica’ confessadas. Aversão que se relaciona, de modo ambíguo, ao ‘amortecimento da eficácia terapêutica’".

Passando ao largo da relevância clínica desta primeira parte, do ponto de vista propriamente epistemológico, é a segunda parte de "Função e Campo", onde Lacan definirá o símbolo como estrutura (alguns anos mais tarde: significante) e a linguagem como limite do campo psicanalítico, que mais de perto nos interessa. Principalmente no que concerne ao problema da linguagem.

Com efeito, a partir de 1953, a linguagem deixa de ser um meio para constituir um campo: o campo epistêmico-conceitual onde se definem a estrutura e os limites tanto da teoria quanto da praxis psicanalítica. Se é verdade que o problema da linguagem sempre interessou a Freud de maneira muito mais viva do que se tem suposto, o que importa aos nossos fins é que na psicanálise dos anos 40/50, tal como a entende Lacan, não se considera a linguagem mais do que simples meio. A "talking-cure" é, neste caso, o método, mas sem um modelo capaz de assegurar o alcance teórico de uma ciência do inconsciente. Talvez por isso a insistência de Lacan em separar a fala da linguagem, isto é, separar uma função de um campo que a limita enquanto função.

No campo da linguagem, a radicalidade da experiência freudiana ganha em relevo e em precisão. Em primeiro lugar, a linguagem não é apenas um instrumento auxiliar, ela é o campo onde se define a subjetividade. Assim o sujeito vai se definir na linguagem e não mais a partir dos lugares de onde tradicionalmente se o define: a consciência, a vontade, ou a psiquê. Além disso, a linguagem incidirá, enquanto limite, na própria elaboração conceitual da psicanálise, implicando uma mudança decisiva no quadro de referências da psicanálise: não mais a biologia, a física ou a economia, mas a matemática, a linguística, a etnologia, etc...

Dois aspectos são, aqui principais: (1) em primeiro lugar, a linguagem é condição do inconsciente (primeiramente no plano ôntico, depois no plano ético) e (2) em segundo lugar, a linguagem é condição - e, portanto, limite - da psicanálise (plano epistemológico, mas também heurístico).

Tal nos parece ser o escopo epistemológico principal do escrito "Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise". Quer mostrar que, ou a psicanálise é capaz de retomar os fundamentos que ela toma na linguagem ou ela perder-se-á na confusão das línguas.

Este campo, Lacan pretende iluminar ao reabrir suas janelas ao "grand jour de la pensée de Freud". É preciso, sim, retornar a Freud. Mas para tentar renovar na psicanálise "os fundamentos que ela toma na linguagem".

Impõe-se, pois, o veredicto: a psicanálise, arriscaríamos, é uma ciência, melhor, um discurso à procura de um idioma. Graças ao pulso forte de Freud, que soube manter firmes os princípios de sua doutrina, ela sobreviveu. Mas uma certa ambiguidade conceitual habitaria o próprio seio da ciência do inconsciente, dando margem aos desvios sofridos em suas versões pós-freudianas. Citamos Lacan:

"Numa disciplina que deve seu valor científico somente aos conceitos teóricos que Freud forjou no progresso de sua experiência, mas que, por serem ainda mal criticados e conservarem por esta razão a ambiguidade da língua vulgar, aproveitam dessas ressonâncias não sem incorrer em mal-entendidos, parecer-nos-ia prematuro romper a tradição de sua terminologia".

Não obstante, esta prematuridade não impediria Lacan de introduzir uma série de conceitos novos, mas que mantém, com respeito aos conceitos freudianos, uma correlação muito forte. Ao longo do seu ensino, no entanto, a terminologia lacaniana vai se tornando cada vez mais autônoma, mais independente, muita vez não mais encontrando étimos epistemológicos nos conceitos elaborados por Freud. Lacan, consciente da importância do trabalho do conceito, declara na abertura do seu Seminário:

"O mesmo se dá para a psicanálise e para a arte do bom cozinheiro, que sabe cortar bem o animal, destacar a articulação com a menor resistência.(...)Temos de nos aperceber de que não é com faca que dissecamos, mas com conceitos. Os conceitos tem sua ordem de realidade original. Não surgem da experiência humana - senão seriam bem feitos. As primeiras denominações surgem das próprias palavras, são instrumentos para delinear as coisas. Toda ciência permanece, pois, muito tempo nas trevas, entravada na linguagem.

"Há, de início, uma linguagem já toda formada, de que nos servimos como de um mau instrumento. De tempos em tempos, efetuam-se inversões - do flogístico ao oxigênio, por exemplo. (...) A raiz da dificuldade, é que só se podem introduzir símbolos, matemáticos ou outros, com linguagem corrente, porque é preciso explicar bem o que se vai fazer deles"

Lacan quer divulgar as teses "pela elucidação dos princípios". Não basta insistir em sua evidência ou na lógica da terapêutica, onde a eficácia técnica demonstraria o rigor da explicação. Há algo que resiste, há como diria Freud, "quelque chose par quoi la psychanalyse se rend étrangère aux sentiments du récepteur, de sorte qu’il devient moins enclin à lui accorder intérêt ou créance". É preciso, por conseguinte, traduzir Freud numa linguagem condizente à vocação científica da psicanálise, sem apagar, no entanto, seu caráter subversivo. Dupla tarefa que reclama por uma interlocução da psicanálise com suas disciplinas circunvizinhas. Escreve Lacan:

"Mas parece-nos que esses termos só podem se esclarecer ao estabelecermos sua equivalência na linguagem atual da antropologia, e mesmo nos últimos problemas da filosofia, onde freqüentemente a psicanálise não fará mais do que retomar o seu bem".

Cabe assinalar aqui um aspecto da sentença lacaniana: a psicanálise teria perdido terreno para a filosofia. Esta acaba por formular em seus "últimos problemas" questões que interessam à psicanálise, e internamente. Mas quais são estes "últimos problemas"? Nas atas do congresso de Roma, a 26 de setembro de 1953, pode-se ler: "...um ensinamento sempre engajado em qualquer problema atual e que concerne a conceitos dialéticos: palavra (parole), sujeito e linguagem, onde esse ensinamento encontra suas coordenadas, suas linhas e centro de referência".

Se tomarmos como eixo o problema da linguagem e de seu papel na constituição do sujeito, veremos que Lacan considera não que a psicanálise esteja importando uma problemática que lhe é estranha. O questionamento acerca do sujeito e da linguagem pertence ao domínio - no sentido matemático do termo - da psicanálise. O eterno problema das relações entre filosofia e psicanálise não pode ser entendido ao menos se ultrapassarmos questões de reserva de espaço, de mercado. Se as descobertas freudianas colocam interrogações ali onde a filosofia anseia um ponto final, porque se calar? Em contrapartida, como permanecer surdos às interpolações que a filosofia eventualmente nos proponha? Afinal de contas, estariam as fronteiras disciplinares prontas desde sempre? Um conhecimento mínimo de história das idéias nos mostraria o contrário: com efeito, grandes pensadores, grandes acontecimentos, não raro deslocam problemáticas seculares e impõem novos regimes à estrutura do saber. Para Lacan, Freud é um acontecimento desta envergadura.

Um acontecimento que reordena o espaço do saber e que, no mesmo golpe, é capaz de perceber, ainda que parcialmente, estes deslocamentos e fornecer as coordenadas para seu posterior mapeamento. A lucidez epistemológica de Freud é, no mínimo, rara. Em "Algumas lições elementares da psicanálise"(1938), por exemplo, ele escreve:

"O conceito de inconsciente por muito tempo esteve batendo aos portões da psicologia, pedindo para entrar. A filosofia e a literatura quase sempre o manipularam distraidamente, mas a ciência não lhe pode achar uso. A psicanálise apossou-se do conceito, levou-o a sério e forneceu-lhe um novo conteúdo. Por suas pesquisas, ela foi conduzida a um conhecimento das características do inconsciente psíquico que até então não haviam sido suspeitadas, e descobriu algumas das leis que o governam"

Para ser condizente com alcance da obra freudiana, é preciso reinterrogar cada conceito psicanalítico desde seus princípios. Mostrar o fundamento que eles tomam na linguagem.

Toda a operação lacaniana em 1953 parece consistir em trazer a discussão da teoria psicanalítica do campo da psiquê para o campo da linguagem. Em uma palavra: trata-se de passar do domínio do "aparelho psíquico, da vida mental e da representação" para o domínio do aparelho de linguagem, do sujeito e do significante. Neste sentido, o projeto lacaniano em tudo se assemelha ao projeto da linguistic-turn. Isto é, trata-se da passagem do paradigma da consciência, que domina a cena da filosofia moderna a partir de Descartes, ao paradigma da linguagem, do qual o século XX é, a um tempo, agente e testemunha.

Do ponto de vista conceitual, este projeto é já bastante claro desde Roma. Nas atas de sua intervenção no Congresso de Roma (1953), pode-se ler:

"Les concepts de la psychanalyse se saisissent dans un champ de langage, et son domaine s’étend aussi loin qu’une fonction d’appareil, qu’un mirage de la conscience, qu’un segment du corps ou de son image, un phénomène social, une métamorphose des symboles eux-mêmes peuvent servir de matériel signifiant pour ce qu’a à signifier le sujet inconscient"

Com efeito, na economia do pensamento lacaniano, só há lugar para "psiquismo", "mente" e seus termos correlatos na medida em que Lacan lê Freud. Mas lê não no sentido de uma exegese, por mais que por vezes seja obrigado a fazê-lo. Freud é um clássico e é preciso tratá-lo como tal. É o próprio Lacan quem diz:

"Nesse comentário do pensamento de Freud não procedo na qualidade de professor.(...). Não se supera Descartes, Kant, Marx, Hegel e alguns outros, uma vez que eles marcaram a direção de uma pesquisa, uma verdadeira orientação. Não se supera Freud, tampouco. Não se faz tampouco - com que interesse? - a cubagem, o balanço. Utiliza-se. Movemo-nos em seu interior. Guiamo-nos com o que ele nos deu como direções. O que aqui lhes apresento é uma tentativa de articulação da essência de uma experiência na medida em que foi guiada por Freud. Não é absolutamente uma tenativa de cubar ou de resumir Freud".

A terminologia propriamente lacaniana é de outra estirpe: sujeito, Outro, objeto (a), significante, alienação, saber, verdade, etc... Isso sem falar no matemas...

II. A vocação científica da psicanálise e a questão dos fundamentos

Muito se falou acima de fundar a psicanálise na linguagem. Mas de que espécie de fundamento se trata aqui? O que quer dizer fundar-se na linguagem? Não seria mais conveniente falar em justificação?

Numa primeira aproximação poderia parecer que sim. Mas, talvez, em Lacan, se trate de um pouco mais e um pouco menos do que de justificação. Um pouco mais: não se trata apenas de mostrar a coerência interna dos conceitos ou sua aplicabilidade, mas de mostrar a condição de sua inteligência. Um pouco menos: não se trata, tampouco, de provar sua derivação a partir de conceitos primitivos ou de se apresentar critérios empíricos de verificação. Trata-se de fundamentar, sim, mas no sentido de oferecer uma linguagem - e, portanto, um limite – onde os problemas podem ser formulados, os conceitos articulados, a técnica empregada. Trata-se de fundamentar no sentido de definir uma estratégia de inteligibilidade apropriada à psicanálise, fundar um campo capaz de delimitar seu domínio. Por isso o uso da expressão campo epistêmico.

É neste contexto teórico que entendemos a tonalidade geral do uso lacaniano das expressões fundar, fundamentos, etc...

Não sem correr o risco de uma analogia apressada e até mesmo grosseira, arriscaríamos a comparação seguinte. Que nos seja, mais uma vez, concedida a licença da alegoria. Mais ou menos como Galileu dá um passo a mais em direção à consolidação do sistema copernicano, ao propor que a linguagem da natureza é a língua dos números, determinando os limites da ciência do movimento - aquilo que não pode ser descrito em termos de figuras, números ou relações não pode pertencer ao campo da física -, Lacan dá um passo a mais no sentido de fortalecer a hipótese do inconsciente, mostrando que a psicanálise, se quer pertencer ao universo da precisão, não deve ultrapasssar o campo da linguagem. Mesmo ao tentar tratar daquilo que estaria no fora-linguagem – Coisa, real, "a", Es...) é preciso articular como estes elementos se presentificam na experiência: como falta, ausência, buraco, furo. Não é possível prescindir da linguagem, mesmo para falar daquilo que estaria para além ou para aquém dela. É claro que o recurso, que se manifesta bastante precocemente no ensino de Lacan, à letra, à topologia e ao matema são tentativas de formalizar não-discursivamente aquilo que ultrapassaria o discurso. Mas trataremos disso em outro momento.

Especulando um pouco mais, nos parece que a analogia com Galileu é ainda mais profunda. Concerne à própria estratégia formal. Quando Galileu abandona a dinâmica do impetus, depois de aperfeiçoá-la bastante no De Motu (1590) , e introduz os princípios de sua nova física, mais formal, mais matematizada... quando Lacan escolhe o ponto de vista da estrutura do inconsciente, porque objetivável, não para negligenciar, mas para orientar a dinâmica na topologia da estrutura...ele está dando, também, um passo em direção à matematização. É claro que nos dois casos, a vertente da matematização é muito diferente. Em Galileu, trata-se da medida, do cálculo, da quantidade. Em Lacan, trata-se da álgebra, da topologia dos lugares e relações e, portanto, de uma matemática de qualidades que Galileu não conheceu. O passo decisivo é, pois, a literalização do real, operação condicionada, conforme veremos, pela redução que uma abordagem estrutural proporciona.

Vale lembrar que, já em "Função e Campo", para Lacan, a ciência, mesmo a experimental, se define não pela quantidade que mede, mas "pela medida que introduz no real".

Como o descentramento do sujeito em relação ao cosmos não depende apenas de Copérnico e Kepler, mas também do apoio que recebe de Galileu - porque institui uma linguagem na qual os fenômenos podem ser articulados -, o descentramento do sujeito, bem como o problema de sua divisão constituinte, também não depende apenas de Freud. É preciso que a psicanálise encontre um idioma no interior do qual os fenômenos sejam articuláveis, as perguntas possam ser formuladas e as respostas esperadas.

Mais ou menos do mesmo modo como Galileu nos instiga proclamando que "a natureza está escrita em caracteres matemáticos", Lacan insiste que "o inconsciente está estruturado como uma linguagem". Talvez isso nos ajude a entender a insistência de Lacan para com os modernos: sua referência constante a Descartes e à ciência moderna. Ao mostrar a estrutura do inconsciente como formalmente análoga à estrutura da linguagem; ao redefinir cada conceito freudiano segundo uma nova chave epistêmica; enfim, ao redefinir o campo da psicanálise, Lacan, nos anos 50, não tenta outra coisa senão tornar possível uma ciência – em um sentido amplamente motivado pela leitura que faz Koyré da ciência moderna - uma ciência do inconsciente, ou melhor, ciência do sujeito. Em outras palavras, consolida a pertença da psicanálise ao universo infinito e contingente da ciência moderna.

"A psicanálise devia ser a ciência da linguagem habitada pelo sujeito. Na perspectiva freudiana, o homem é o sujeito preso e torturado pela linguagem".

Embora pertencente ao universo da ciência, a questão relativa a seu sítio neste universo não é sem problemas. Para Milner, talvez o comentador que conceba mais claramente a questão, a ciência não funciona para a psicanálise como um ponto exterior, um ideal a ser alcançado, mas, ao contrário, a ciência estruturaria de maneira interna a própria psicanálise.

Lacan é, desde muito cedo, sensível à questão. Também em 1953, apenas alguns meses antes do Congresso de Roma, ele escreve, "a psicanálise, devo lembrar em preâmbulo, é uma disciplina que, no conjunto das ciências, mostra-se a nós com uma posição verdadeiramente particular". Ela pode ser comparada àquilo que os medievais chamavam de artes-liberais, que se distingue das ciências, explica Lacan, por manterem em primeiro plano "uma relação fundamental com a medida do homem".

"A psicanálise é, talvez, atualmente [1953] a única disciplina comparável a essas artes liberais, por aquilo que ela preserva dessa relação de medida do homem consigo mesmo - relação interna, fechada em si mesma, inesgotável, cíclica, que o uso da palavra, por excelência comporta"

***

Ademais, quanto à analogia entre os procedimentos de Galileu e de Lacan, a seguinte passagem de Roudinesco é significativa:

"De fato, Lacan infere que Freud não inventa nem suprime o sujeito, mas se apodera dele ali onde se encontra, ou seja, no rebote da perspectiva cartesiana, que inaugura, depois de Galileu, a ciência moderna. Se Freud se pretendia copernicano, Lacan se dispõe a ser galileano, extraindo a consequência lógica da segunda tópica"

O Lacan do "Discurso de Roma" é um Lacan galileano. Obviamente, trata-se de um novo galileísmo, ou se se quiser, um "galileísmo ampliado", como prefere Milner. É claro, nosso recurso a Galileu aqui é apenas para destacar um ponto muito específico. Ademais, numa vetorização decididamente alegórica. É no sentido de falar de condições, de dotar uma ciência de uma linguagem na qual os problemas ganham sentido. Se se quiser, trata-se de uma estratégia de redução: em Galileu, redução da campo da physis ao paradigma da matemático; em Lacan, redução do campo dos fenômenos analíticos ao domínio da linguagem, numa perspectiva marcadamente estruturalista.

A psicanálise, tal como propõe Lacan nos inícios dos anos 50, lida com aquilo que pode ser estruturado como uma linguagem. Assim, o sintoma é sintoma analítico porque tem estrutura de linguagem. Os lapsos e os atos falhos - que mais tarde serão combinatórias significantes cujos efeitos simbólicos rearticulam o estado de dicionário das palavras - são, em 1953, mordaça que gira sobre a fala (lapso) e discurso bem sucedido(ato falho).

No terceiro ano de seu Seminário (1955-56), Lacan chega talvez à expressão mais extremada deste ‘programa’:

"Todo fenômeno analítico, todo fenômeno que participa do campo analítico, da descoberta analítica, daquilo que lidamos no sintoma e na neurose, é estruturado como uma linguagem. Isso quer dizer que é um fenômeno que apresenta sempre a duplicidade essencial do significante e do significado"

Contudo, esta duplicidade não é mobilizada senão a fim de pensar de maneira absolutamente rigorosa um problema efetivamente psicanalítico, qual seja, o determinismo:

"Sem a duplicidade fundamental do significante e do significado, não há determinismo psicanalítico concebível. O material ligado ao conflito antigo é conservado no inconsciente enquanto significante em potencial, significante virtual, para ser tomado no significado do conflito atual e servir-lhe de linguagem, isto é, de sintoma"

Com efeito como pensar o processo primário sem postular uma certa autonomia, ou no mínimo, uma separação radical entre significante e significado?

É assim que o sonho tem a estrutura de uma frase e deve ser entendido em sua dimensão significante. Mesmo as figuras mais clássicas da psicanálise, como o Édipo, são convertidas em termos de linguagem. O Édipo é estruturante para o sujeito exatamente na medida em que é uma função simbólica relacionada às alianças e laços entre os sujeitos. O que em Freud era a figura do pai será relacionado à metáfora paterna e, conseqüentemente, ao significante do nome do pai.

Ainda que muito precocemente Lacan se dê conta dos limites do simbólico, a vertente estrutural de seu pensamento traz algumas conquistas definitivas, das quais nos ocuparemos alhures.

Mas se a linguagem tem um papel assim tão fundamental na releitura que Lacan faz da psicanálise, qual é a concepção de linguagem em jogo?

Mais: qual é o papel da linguística na reformulação lacaniana da psicanálise? Para Roudinesco, sua biógrafa, Jacques Lacan toma para si a tarefa de "repensar a teoria freudiana do inconsciente à luz da linguística estrutural". Mas esta mesma autora considera o texto de 1953 como um jogo de sombra e luz. Até onde o farol da linguística estrutural consegue iluminar a releitura lacaniana do inconsciente freudiano parece não ser uma questão surpéflua.

Uma avaliação conseqüente deste problema poderia começar com o seguinte conjunto de afirmações de Lacan.

No "Mais, ainda" (1972-1973), Lacan declara: "Um dia percebi que era difícil não entrar na linguística a partir do momento em que o inconsciente estava descoberto". No entanto, daí não se segue que tudo o que é da linguagem dependa, em última instância, da linguística. Continua Lacan: se considerarmos a incidência da definição da linguagem na "fundação do sujeito, tão renovada, tão subvertida por Freud" , então será preciso saber distinguir domínios. "Meu dizer que o inconsciente é estruturado como uma linguagem não é do campo da linguística", conclui .

Mas isso é problema para uma outra oportunidade.

Notas

(1) MILNER, J-C. A obra Clara: Lacan, a ciência, a filosofia. RJ: Jorge Zahar Ed., 1996, p. 74. A presente pesquisa está sendo orientada pelo Prof. Dr. Jeferson Machado Pinto, a quem dedicamos este trabalho. Trata-se de uma pesquisa realizada no âmbito do programa de pós-graduação em filosofia da UFMG e conta com a ajuda financeira do CNPq e da FAPEMIG.

(2) FREUD, S. "Une difficulté de la psychanalyse", in: Œuvres Complètes (vol. XV, PUF, 1996, p. 50). A bem do rigor, no texto de Freud a tônica parece indicar mais um diagnóstico da situação vivida até então do que um prognóstico para o futuro. No entanto, a tonalidade geral do texto autoriza nossa leitura. Parece haver algo como uma dificuldade estrutural no caminho da psicanálise. Uma pedra no meio do caminho.

(3) LACAN, Mais, ainda, Seminário XX, pp. 09-10.

(4) Cremonini, diante do telescópio de Galileu, exclamava: "Ademais, olhar pelos óculos me entontece a cabeça. Basta! não quero saber mais!".

(5) LACAN, Função e Campo..., Escritos, Perspectiva, p. 106 [Écrits, Seuil, 1966, p. 242]. Assim, um "retorno a..." só se justifica a partir de um esquecimento. cf. Foucault , "O que é um autor?".

(6) Função e Campo...p.110, [Écrits, p. 246]; grifo nosso. Talvez fosse possível resumir, levando em conta os desenvolvimentos posteriores da doutrina de Lacan: ‘$’ (inconsciente) e ‘a’ (sexualidade) .

(7) Função e Campo... p. 131. [Écrits, p. 267].

(8) Função e Campo... p. 111. [Écrits, p. 246].

(9) Função e Campo... p. 122. [Écrits, p. 257].

(10) Função e Campo... p. 106-107; [Écrits, p. 242]

(11) A virada pragmática, tão em voga em nossos dias, não seria um retorno destas concepções?

(12) O Título original de FCPLP: "Fonction de la parole dans l’expérience psychanalytique et relation du champ de la psychanalyse au langage" [cf. DOR, Joël. Nouvelle Bibliographie des Travaux de Jacques Lacan. Paris: EPEL, 1994, p. 59]. Interessante também notar o título dado ao primeiro volume da revista La Psychanalyse, dirigida por Lacan: "De l’usage de la parole et des structures de langage dans la conduite et dans le champ de la psychanalyse". Ver também a epígrafe da revista: "Si la psychanalyse habite le langage, elle ne saurait sans s’altérer le méconnaître en son discours..." [La psychanalyse, nº 1, folha de rosto]

(13) Do ponto de vista eminentemente técnico, Lacan ressalta a importância da fala no contexto analítico. Ela é o único meio da psicanálise, é a única via de acesso ao inconsciente do sujeito. Cf, por exemplo: "a psicanálise só tem um meio: a fala do paciente. A evidência do fato não se desculpa que se o negligencie" [Funçaõ e Campo..., 112, Écrits, p. 247].

(14) Função e Campo..., p. 106; [Écrits, p., 241].

(15) Função e Campo... p. 102. [Écrits, p., 238].

(16) Só a partir do Seminário XVII é que Lacan consegue elaborar definitivamente a questão, ao formalizar as estruturas do discurso. Neste momento o discurso analítico irá ganhar seu lugar próprio, distinto dos demais. Até então, tudo se passa diferentemente. Quanto ao emprego do termo idioma, reinvidicamos a definição dada por Pichon: "un idiome peut se définir: un mode de pensée spécifique". [cf, ARRIVÉ, Langage et Psychanalyse, linguistique et inconscient: Freud, Saussure, Pichon, Lacan. Paris: PUF, 1994. p. 142.]

(17) Função e Campo..., p. , 104;. [Écrits, p. 239-240].

(18) Segundo a bela expressão de Canguilem: "... trabalhar um conceito é fazer variar sua extensão e sua compreensão, é generalizá-lo pela incorporação de traços de exceção, exportá-lo para fora de sua região de origem, tomá-lo como um modelo ou, inversamente, buscar-lhe um modelo; em suma, conferir-lhe progressivamente, por meio de transformações regulares, a função de uma forma". in: "Dialetique et Philosophie du nom chez Gaston Bachelard". Revue Internationale de Philosophie, 1963.

(19) LACAN, Seminário I, p. 10.

(20) FREUD, op.cit. , vol XV, p 43.

(21) Função e Campo..., p. 104; [Écrits, pp. 239-240.

(22) LACAN, J. Actes du congrès de Rome, La psychanalyse, nº 1; Paris: PUF, 1956, p.242]

(23) FREUD. S. Algumas lições elementares da psicanálise (1940 [1938]). ESB, vol XXIII, p.321].

(24) LACAN, J. Actes du congrès de Rome, La psychanalyse, nº 1; Paris: PUF, 1956, p 206]

(25) LACAN, Seminário VII, Ética, p. 253, [4 de maio de 1960]

(26) Para Lacan, justificar algo e compreender algo são inversamente proporcionais: "... profere-se num tom tanto mais entendido quanto se é menos capaz de justificar o que se quer dizer..." [Função e Campo..., 117]

(27) A lucidez epistemológica de Lacan se manifesta desde muito cedo. Por exemplo, quanto ao problema da necessidade de uma linguagem no qual os problemas de uma determinada ciência podem ser articulados, Lacan escreve: "...peut-on dire que le savant se demande si l’arc-en-ciel, par exemple, est vrai? Seulement lui importe que ce phénomène soit communicable en quelque langage(...), enregistrable sous quelque forme (...) et qu’il parvienne à l’insérer dans la chaîne des identifications symboliques où sa science unifie le divers de son objet propre(...)." Au-delà du "Principe de réalité", Écrits, p. 79 [1936].

(28) Sobre o estatuto da alegoria em filosofia não é preciso insistir. Seu uso é legítimo, desde, pelo menos, a célebre e incomparável alegoria da caverna de Platão. [cf. também. Benjamin]

(29) Ademais, a referência de Lacan a Galileu não é sem antecedentes. Ao terminar sua comunicação "A psiquiatria inglesa e a Guerra", reafirmando as suas convicções acerca do papel da psiquiatria inglesa durante a segunda guerra, Lacan conclui, frente às objeções do seguinte modo: "Ás objeções de princípio, levantadas contra o papel que teve a psiquiatria durante a guerra, respondo por um ‘Eppur se muove’, declinando que não se dê à minha exposição outros sentidos, nem outro mérito" [Lacan, A psiquiatria inglesa e a guerra; in: a Querela dos diagnósticos, RJ, JZE, 1989, p. 26]

(30) cf. LACAN, Posição do inconsciente . p. 329.

(31) Sobre este ponto, como nos demais, devemos quase tudo ao excelente comentário de Milner.

(32) Função e Campo, p. 151. [Écrits, p. 286]

(33) Em termos de epistemologia, Koyré é o principal guia de Lacan. O que não será sem efeitos. Aliás, foi Koyré quem apresentou Jakobson a Lévi-Strauss que, por sua vez, o apresentou a Lacan. Assim também lhe chega o conceito de estrutura: da linguística, mas apoiando-se na epistemologia e passando pela etnologia. Talvez a concepção de ciência de Koyré pudesse ser resumida como uma combinação de matematicidade e empiricidade. Embora Lacan se oriente por Koyré, acaba por acentuar o primeiro destes traços, em prejuízo do último.

(34) LACAN, As Psicoses, p. 276. [16 de maio de 1956]

(35) LACAN O mito individual do neurótico. In FALO, Revista Brasileira do campo freudiano, 1, 1987, pp 9-19.[p.9]

(36) LACAN O mito individual do neurótico. p.9. Lacan volta a esse tema em FCFLP, p. 153

(37) ROUDINESCO , História da Psicanálise na França, vol II, p. 324.

(38) É claro, uma metáfora tem seus limites. Seria preciso reconhecer que Lacan censura em Galileu sua recusa das órbitas elípticas - cf. cartas Kepler-Galileu - e vê neste episódio a permanência de certos ideais de busca de um centro...

(39) "Quoi que nous puissions dire concernant ce que Lacan a mis en avant sous le nom de signifiant, quoi que nous puissions dire de ce qu’il entend par langage, même si nous prenons la précaution de dire que la théorie du signifiant n’a représenté qu’un moment de l’élaboration lacanienne, un moment que l’on qualifie souvent de structuraliste, il convient de remarquer que Lacan n’a jamais explicitement recusé ce moment, qu’il en a toujours conservé quelque chose de fondamental." (cf. Lacan avec les philosophes...HENRY, P. pp. 359-360)

(40) "Como uma Linguagem" e não "por uma linguagem" [LACAN, J. O seminário, livro 20, Mais, ainda, pp. 65-66]

(41) LACAN, Seminário, III, As psicoses, pp. 192; 14 de março de 1956.

(42) LACAN, Seminário, III, As psicoses, pp. 140; 01 de fevereiro de 1956.

(43) um elenco exaustivo deveria incluir o ‘automatismo de repetição’, que passa a depender da insistência da cadeia significante; a questão do gozo, abordada a partir do significante do gozo do outro; o sujeito, veiculado entre dois significantes.

(44) ROUDINESCO, E. A História da Psicanálise na França: a Batalha dos 100 anos, vol 2. p. 162.

(45) LACAN, Mais, ainda, Seminário XX, p 25. [A Jakobson].

(46) Por considerar Lacan estruturalista tout court e que o inconsciente depende da linguística, A. Lemaire se preocupa em mostrar que a teoria linguística utilizada por Lacan é desatualizada pelas descobertas de Chomsky e se esforça por mostrar a compatibilidade entre Chomsky e Lacan. [p 69] Mais à frente, a autora admite que o tratamento lacaniano da linguística é um enfoque "próprio"[p. 77], "não dá provas de um purismo total" [p. 92], mas num sentido inteiramente surpreendente: "O registro dos recônditos da alma humana não se submeteria jamais a uma rigorosa análise como os fenômenos racionais podem fazê-lo. Em conseqüência, todo empréstimo a outras ciências deverá, na psicanálise, sofrer a marca do humano, uma marca de irracional, de imprevisto, de mistério e de rodeios". [p. 77]Não apenas Bruxelas cometeu este tipo de incompreensão. A própria Paris, pelo menos em parte, compreendeu Lacan como um psicanalista que submetia a psicanálise à linguística.

(47) Seminário XX, p 25. Ao criar o neologismo linguisteria, Lacan cria também seu objeto como lalangue. Habitualmente traduz-se lalangue por alíngua, mas Haroldo de Campos expõe razões suficientes para que não aceitemos esta tradução, e propõe "lalíngua". [Cf. tb "Vers un signifiant..." p. 7.] Mas já no seminário III, As psicoses, também já é clara esta distribuição de competências. Por exemplo, "o que com efeito caracteriza a linguagem é o sistema do significante enquanto tal. O jogo complexo do significante e do significado coloca questões à beira das quais nos mantemos, porque não fazemos aqui um curso de linguística" p. 139.

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Revista de Psicoanálisis y Cultura
Número 6 - Diciembre 1997
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