Acheronta  - Revista de Psicoanálisis y Cultura
Sobre o dinheiro numa psicanálise
Karin de Paula

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O propósito de refletir sobre a questão do pagamento numa psicanálise, tive como horizonte buscar, a partir da clínica, uma teorização acerca dos impasses que o dinheiro pode eventualmente gerar numa situação psicanalítica (transferencial). Para tanto, foi preciso explicitar as referências teóricas utilizadas para realização dos deslocamentos desta questão do campo socio-econômico para o da economia psíquica.

A chave de discussão com que proponho abordar a questão do dinheiro em Psicanálise é aquela que o toma como ciframento que articula a necessidade, a demanda e o desejo.

Se considerarmos que da perspectiva psicanalítica, o que se coloca a cada vez, pertence à ordem da alma encarnada num corpo, e dos avatares que se iniciam a partir daí, podemos inferir que na origem dessa circunstância contamos com um instinto que por si só não garante nossa sobrevivência e menos ainda sustenta nossa condição de humanos. Um bebê não sobreviveria numa selva, e mesmo se levarmos em consideração as lendas de Mogli, Tarzan ou George, podemos dizer que este bebê não sobreviveria como humano, não se constituiria como humano. Não é por menos que em nossa cultura, para atrelar a sobrevivência ao instinto, faça-se uso de recursos que nada mais são do que treinamentos intensivos como o de escoteiro ou bandeirante. Ao logo do tempo, temos produzido inúmeros manuais de sobrevivência, para as mais diversas circunstâncias nas quais a morte se faz lembrar.

Nessas condições, se não contamos com a inscrição prévia de um objeto que atenderia a uma exigência definida como pertencente à ordem da necessidade, contamos com um capital libidinal que nos atribui a competência de dirigir um apelo à vida.

Então, no caso dos humanos, até mesmo para a sobrevivência do próprio organismo, faz-se imprescindível agregar às exigências instintivas, as exigências eróticas, libidinais, que se encontram na dependência de uma outra convocação à vida, a convocação de um outro humano. É na conjunção dessas exigências que podemos acompanhar a tomada do instinto e da ordem da necessidade pela ordem pulsional, já que nesta, a pulsão constitui por uma energia erótica, de ligação libidinal.

De fato, há aí a confluência de dois elementos distintos, de um lado, nosso capital gozoso, oriundo da própria condição instintiva e, de outro, o capital contaminado pela ordem humana que torna-se libidinal investido na convocação feita por um outro da mesma espécie. Este investimento pode ser computado desde antes da chegada do bebê, nas condições parentais em que este foi desejado.

Então, dado o caráter singular das condições instintivas já referidas, quando de nossa primeira ação no mundo – o choro de bebê, por exemplo – pode-se atribuir-lhe o valor de apelo ao outro. Frente a este apelo, o que será oferecido implica seu deciframento por parte do outro, que proponho designar, materno. Para este deciframento se fazer possível, foi condição cifrá-lo.

Os recursos desse ciframento, que são os que igualmente conferem a possibilidade de de-ciframento, podem ser encontrados nas condições estruturais da própria linguagem. Então esse apelo é tomado como se fosse constituído de palavras, isto é, ele é cifrado pela linguagem materna.

Esta oferta de decodificação viabiliza um duplo acontecimento para o aspirante à vida: por um lado, rende-lhe um efeito de sentido, dado pelas palavras que cifraram seu apelo e que poderá advir como demanda, e por outro, um gozo pulsional de algo alheio vivido como próprio.

Note-se que a possibilidade do apelo ser figurado como demanda a um outro, inclui esta experiência de gozo pulsional, mas não recobre toda a sua extensão que seria, em última instância, motífero. De certa forma, resta algo do campo da necessidade, já subvertido pelo campo pulsional, e com este resto mantém-se a insistência de um gozo fora do sentido engendrado pelo sentido instaurado. Resta como um lugar de retorno ao próprio corpo biológico, que tende à des-erogenização do mesmo. Vemos então o próprio movimento resultante de um jogo entre Pulsão de Vida e Pulsão de Morte.

É possível pensar que as operações que elevam os instintos a pulsões inscrevem-se na experiência original com o outro materno, isto é, no ato de dar ao corpo biológico o estatuto de erógeno. Assim sendo, esta demanda dirigida ao outro materno estabelece-se como demanda de investimento erótico, amoroso, causando uma interrogação permanente que provocam e garantem a manutenção desta ligação amorosa.

A partir de então, vemos instituir-se um objeto não mais de caráter essencial, como seria o caso do objeto da necessidade, pré-determinado instintivamente, mas aquele constituído no espaço existente entre os campos da necessidade e da demanda. A questão que se coloca é como este objeto da necessidade, interrompido desde o início, vai ser reencontrado como objeto que causa o desejo.

Pautado pelo enredo da estreita ligação mantida com o outro materno dá-se, então, a erotização do corpo biológico segundo a eleição de certas zonas corpóreas, as quais renderam ao futuro Sujeito de desejo a continuação do ciframento de seu gozo, mas também certa restrição ao mesmo. Em cada marca gerada por esta experiência, podemos reconhecer a positivação de um objeto que se oferece como resposta à pergunta sobre o amor materno.

Nesta perspectiva, o seio, as fezes, o pênis, o bebê, constituem objetos que se encontram entre o que é próprio e o que é do outro, e nesta medida articulam a questão sobre aquilo que do outro, tomado como próprio, está para ser perdido. É mais precisamente sob o complexo de Édipo, marcado pela entrada em cena de um pai simbólico, e, portanto, da castração, que tais objetos tornam-se metáfora do que foi do outro materno perdido porque interditado como lugar de gozo. Ao mesmo tempo, esta interdição institui para o Sujeito um valor aos objetos de desejo, valor este que podemos designar fálico, através do qual lhe é possível recuperar algum gozo.

No caminho rumo à assunção de sua condição humana de cultura, que supõe a interdição ao gozo erótico, o Sujeito tem a tarefa de destituir a ligação estabelecida com o outro materno, que outrora deu-lhe sentido à vida, e estabelecer algum sentido possível à existência própria na relação direta com linguagem que o cifrou.

Dado este enfoque, é de extrema relevância retomar algumas pistas já estabelecidas pela tradição analítica sobre dinheiro no âmbito da economia psíquica .

O dinheiro aparece neste contexto fazendo parte da série das equivalências simbólicas depreendidas dos objetos que caem do corpo (seios, fezes, pênis, filho...dinheiro?) - todos objetos marcados pela castração e, portanto, suscetíveis de entrar na série de organização fálica.

Freud, numa explicitação desta questão, quando fala do dinheiro como sendo metáfora do erotismo anal estabelece que o dinheiro compõe a ordem do pulsional. O dinheiro, então, metaforiza a incompletude implicada no desejo que marca uma condição de falta-a-ser (não completo). Há, no entanto, uma outra vertente que interessa na apreensão do dinheiro como metáfora dessa falta-a-ser.

Nesta direção, é possível articular o dinheiro em relação aos deslocamentos de investimentos entre os diferentes objetos, dos investimentos pulsionais em sua dimensão de grandeza que, paradoxalmente, não podem ser quantificada, já que não há como medir quantidade de libido, que é a própria energia da pulsão (trieb), pois esta não tem possibilidade de representação inconsciente e tampouco pode ser identificada de forma colada aos objetos que evoca.

Levando em conta estas circunstâncias, o dinheiro promove um "amoedamento" dessa grandeza quantitativa que só é apreensível em sua manifestação dinâmica de satisfação ( befidrigung) realizada de forma parcial, por exemplo, no sintoma e, também, na transferência analítica, ou seja nas operações que incluem os índices (caminho e desvios) do desejo.

A possibilidade de "amoedamento" remonta à de "ciframento", o que abre a perspectiva de pensarmos metaforicamente a idéia de libido como capital e do dinheiro como ciframento do montante das operações de gozo libidinal realizadas para o inconsciente, que capitaliza este gozo, excedendo seu valor fálico. Ou seja, aquele mesmo gozo que se busca recuperar através do sintoma neurótico, que significa para o sujeito justamente ganho narcísico, muito embora este ganho seja decorrente de seu sofrimento.

O trabalho de elaboração envolvido numa análise incide na modificação da economia psíquica (pulsional/libidinal) envolvida na manutenção do sintoma do analisante. Talvez isso possa dirigir-nos para a idéia de que, no que tange a uma análise, o que importa é que o que o sujeito em análise paga deva ser pago a partir de seu narcisismo.

O que o sujeito perde numa análise é parte de seu gozo narcísico, o que lhe impõe uma nova economia libidinal na assunção de sua condição "faltante", desejante. É por assumir à condição desejante que o analisante paga em sua análise.

De fato, a operação em questão é de renúncia de gozo- que, como já mencionado, gera algo equiparável à mais-valia marxista - exigida ao Sujeito em sua condição desejante e que depreende-se exatamente de sua própria demanda de amor cuja origem foi seu gozo no nível mais imediato do corpo, no qual o registro da necessidade permanece fora da rede de sentido estabelecido.

Se o dinheiro oferece-se como significante, sobretudo dos deslocamentos do desejo gerados pela condição de falta-a-ser, em que o desejo é sempre desejo de outra coisa, seu sentido de valor de troca e de utilidade atribuído pela mercadoria e pelas leis de seu mercado está perdido de vista (ou de escuta). O que vemos manifestar-se pelos parâmetros estabelecidos da economia libidinal refere-se ao trabalho gerado pelas operações pulsionais, cujo valor é de inutilidade, já que está referido a um objeto (mercadoria?) mítico.

Esta perspectiva, se adotada para a o trabalho clínico psicanalítico, pauta uma forma particular do reconhecimento e inclusão da dimensão social da circulação do dinheiro, colocando-a como questão para o próprio Sujeito. E é importante sublinhar que o rigor psicanalítico e conceitual com o qual se propõe tratar a inclusão e manejo do dinheiro em uma psicanálise não pretende amenizar o peso que o elemento destacado [o dinheiro] tem no âmbito social. Pelo contrário, o próprio contexto clínico de onde a questão é lançada é o de uma instituição que pretende estabelecer um diálogo entre a Psicanálise e o social.

Na acepção aqui adotada – a de significante -, o dinheiro trazido ao contexto analítico estaria subvertido em seu valor de utilidade e troca social. Seria exatamente esta subversão que permitiria a produção de desdobramentos, novas significações, a posteriori, no campo social. Trata-se de interrogar o "ponto capital" (point de capiton), de significação do dinheiro estabelecido no campo social, ao ponto deste não pode ser mais "calculável" mas "contável", e a partir desta monta, que implica o Sujeito de desejo, reenviá-lo [o dinheiro] ao mundo.

Apreender pelo "máximo ou mínimo" (além? ou aquém?) é dizer da impossibilidade de fazer coincidir com o (obscuro) objeto de realização de satisfação total, que está para sempre perdido; mas, ao mesmo tempo , é também uma forma de se referir a ele.

Mas o que é o desejo? Quem quer saber de desejar?

Conforme o Dicionário enciclopédico de Psicanálise, de Pierre Kaufmann (1996:114), "desejo designa o campo de existência do sujeito humano sexuado, em oposição a toda abordagem teórica do humano que se limitaria ao biológico, aos comportamentos ou aos sistemas de relação."

Nos primórdios da psicanálise, na interlocução com Charcot e Janet e envolvido com os enigmas dos sintomas de conversão, Freud colocava-se contra as teorias que explicavam a formação das neuroses como consequência de processos degenerativos, optando pela idéia de ato psíquico vinculado ao desejo, numa concepção estreitamente ligada à sexualidade.

Merece ser introduzida aqui uma discussão que me parece de interesse para a clínica e para a articulação dinheiro e psicanálise, a ser pesquisada. Trata-se da tomada do desejo (wunsch) na relação com o conceito de pulsão (trieb) e de prazer (lust ) e gozo (genuss) na obra freudiana.

Em A Interpretação dos Sonhos, é a idéia de realização alucinatória que traz a de desejo; portanto, mediante um sutil movimento de pensamento, passa-se da alucinação para a realização-de-desejo (Wunshcherfüllung) e, posteriormente, para o desejo ativo em si mesmo. É esta operação que nos interessa, pois envolve a idéia de que "os elementos do sonho não são em nenhum caso meras representações, são vivências verdadeiras e reais da alma" (Freud, 1900:543).

Em sua obra, Freud refere-se ao termo wunsch para fornecer um estatuto às particularidades de encadeamento e de organização dos elementos do sonho. Não se trata de tomá-lo em sua incoerência em relação à linguagem de vigília, mas de apreender por meio de quais recursos o sonho apresenta suas realizações, a saber: condensação, deslocamento, dramatização e composição onírica. Estes são os mecanismos pelos quais faz-se possível nomear não apenas uma realização de desejo , mas sobretudo, um "desejo trabalhando".

A propósito da idéia de "desejo trabalhando", permitam-me uma digressão : não seria este o trabalho que chamamos de trabalho em uma análise? Consido que sim, e a propósito do tema desta reflexão, penso que é interessante postular que quem realiza este trabalho é o próprio analisante (sonhador) e, no entanto, é ele quem paga as sessões; cabendo ao analista criar circunstâncias e diretrizes que propiciem a produção deste trabalho psíquico (escuta na transferência ), a exemplo de Freud ao escutar os sonhos, como tratado acima.

Qual a disposição do analisante para isto (trabalho + pagamento), principalmente se este vem procurar uma ajuda, pensando em por para trabalhar um outro, um profissional - o analista?

E nos casos em que o "analista" toma para si a tarefa de realização deste trabalho, aplicando-se em interpretações de cunho compreensivo, o que acontecerá às possibilidades de trabalho psíquico? No caso de não estar havendo trabalho psíquico, tratar-se-ia de um incremento de detalhes e riqueza ao próprio sintoma (ainda que as reflexões do analista sejam de entendimento pertinentes a alguém em questão)? E, estaria isto, portanto, na direção oposta do tratamento psicanalítico (o de dirigir o desejo do sujeito para o mundo)? Ou, usando uma idéia de Freud, na direção de uma análise selvagem, onde não há tempo para o trabalho de elaboração? O que estaria sendo pago pelo analisante, então? Seria esta uma questão que suporia uma decisão ética?

Se a instalação das operações de obtenção do gozo se dá num tempo arcaico da constituição do Sujeito, na experiência em que se inscreve o registro de uma realização que resiste ao ciframento simbólico feito pela linguagem, na tomada do âmbito da necessidade por uma demanda de amor, haveria a possibilidade de gozar algo alheio como sendo próprio e, portanto, que inclui uma experimentação que eqüivaleria a realizar um fechamento em si mesmo, no próprio corpo, gozoso, fora do registro do sexual, libidinal. Tal registro poderia ser descrito como sendo próprio ao movimento da Pulsão de Morte que, exigindo uma retirada do investimento libidinal, um retorno à tensão zero, ao inorgânico, produz antes uma queda do corpo erótico para o orgânico [biológico]. Nesta abordagem, seria possível verificar uma diferença importante entre o lust e Guenus, sendo o primeiro produzido por uma vertente de investimento libidinal e o segundo, por uma vertente de retirada desse investimento. Ambas as vertentes compõem o próprio movimento pulsional entre as Pulsões de Vida e de Morte

Segundo tais parâmetros, se retomamos o campo da operação de realização de desejo no sonho através da idéia freudiana de que tal operação é um ato psíquico completo (Freud, 1900), poderemos verificar uma oportunidade de diferenciar as operações de realização (erfüllung) de desejo, daquelas que envolvem o plano da satisfação (befridigung) mais imediato do nível pulsional, muito embora exista uma estreita ligação entre realização e satisfação, pelo que a primeira rende algo ((lust/guenuss) para a segunda. Refiro-me à proposta freudiana de estabelecer diferenças entre o conteúdo latente e manifesto. De certa forma o que temos aí é justamente a indicação dos dois planos da experiência distintos e intimamente ligados.

No sonho , a experiência do sonhar (latente) é tomada por uma elaboração que produz uma realização parcial de desejo, dado que inclui a formação de compromisso; se a experiência latente à esta elaboração implica uma satisfação, esta só pode realizar-se para o sonhador mediante um ciframento feito pela linguagem e é por isso mesmo, uma realização marcada pela incompletude gerada em seu ciframento e deciframento. Dito de outra forma: a condição de incompletude do desejo condenado a não encontrar algo da ordem da complementaridade, mantém operante seu movimento de buscar no mundo suplemento e na morte sua cessação.

Se retomamos Freud, vemos formulado em A Interpretação dos Sonhos (1900:543):"O sonho é um ato psíquico completo, sua força pulsional é em todos os casos um desejo a realizar".

Freud referia-se à operação do desejo (wunsch) como de "realização" (erfüllung); e referia-se à operação da pulsão (trieb) como de "satisfação" (befridigung).

No alemão, segundo Luiz Hanns (1996), realização (erfüllung), assim como a palavra desejo pertencem a esfera do idealizado , almejado; enquanto satisfação (befridigung) implica apaziguamento de necessidades . De modo geral, a erfüllung apela para o investimento [catexia] ao nível da representação, e a befridigung aponta para vivência na imediaticidade do corpo.

Vimos que esse nível imediato do corpo se encontra em dois campos: o resultante do ciframento pela linguagem e o daquilo que resta fora desta possibilidade de abordagem.

A pulsão é pulsação, inquietação e incita o sujeito, necessitando ser apaziguada. Sua manifestação mais direta e imediata é lust/guenuss, que enfatiza a própria atividade que brota do corpo e não o objeto, antes ainda da fruição plena do prazer. Trata-se do cunho mais auto-erótico da vivência.

Prazer (lust) e desprazer (unlust) são entendidos pela Psicanálise como registros gerados e regulados segundo um fator econômico (quantitativo) e constituem o princípio mais arcaico do funcionamento psíquico.

Segundo a interpretação que M. Viltard (1996) dá a Os chistes e suas relações om o inconsciente, ao mesmo tempo que o discurso detém os meios de gozar por implicar o Sujeito, este [o sujeito] só poderia estar implicado por aquilo que excede o discurso. O riso é o signo do sujeito, e constitui o meio que resta de tentar recuperar "um fragmento de possibilidade de gozo". O Sujeito poderia então ser buscado no "rasgo" de espírito produzido entre a primeira e terceira pessoas envolvidas na produção do chiste; e os meios para gozar no próprio discurso. Neste contexto, a repetição [gozo] implica a produção de algo novo e o conceito de gozo (genuss) surge estreitamente ligado à Pulsão de Morte e às operações de fala do homem.

A partir destas considerações, podemos retomar a idéia de que a condição de desejo é decorrência de uma restrição imposta ao gozo pulsional obtido na imediaticidade do corpo, através de uma certa relação, mas é também a evocação dessa vivência.

O desejo (wunsh) seria uma outra modalidade de expressão da pulsão (trieb), que tem por especificidade a implicação de uma realização que inclui um objeto.

Assim sendo, o objeto que aí é buscado indica nada mais do que a tentativa de encontrar o objeto original da pulsão que é "nenhum objeto". Isto nos permite afirmar que o objeto introduzido pela condição de desejo é desde o início um objeto mítico.

A experiência com o outro materno, como apontado anteriormente, gera marcas psíquicas que, vistas agora do ponto de vista econômico, são resultantes do rebaixamento de tensão psíquica (lust) ocorridas na experiência. Estas são registradas como traços de memória, que passam a organizar os caminhos para a busca da realização do desejo.

Esta realização é buscada primeiramente nos processos alucinatórios; segundo lugar, no desejo (wunsch) e em terceiro, no pensamento.

Mas o que pode atribuir de saída a este significante - dinheiro - um lugar especial em relação aos outros da fala do sujeito em análise, se o que se coloca como significante para um sujeito pode ser qualquer "besteira" e se portanto implica sempre a ordem do particular?

Proponho, aqui, equacionar possibilidades de respostas a esta questão segundo os seguintes aspectos:

Em primeiro lugar, avento aqui que seja possível determinada forma de inclusão e manejo do significante dinheiro que o leve em conta como um dos objetos marcados pela castração e que por tanto se refere ao ponto de interseção entre necessidade (ou seja, satisfação pulsional na imediaticidade do corpo), demanda (como transcrição do desejo no plano da linguagem) e desejo (como pressão da força gerada pela falta-a-ser).

Sendo assim, a questão do dinheiro pode oferecer-se numa análise para circunscrever o próprio "ciframento" e a própria "economia" do desejo do sujeito, do ciframento que permite a construção da condição de deciframento. A idéia envolvida aqui é de uma operação mais complexa do que uma simples transposição de campos, de uma "tradução": trata-se, sobretudo, do estabelecimento de parâmetros para a construção de uma condição de possibilidade de "deciframento", tal como concerne a uma psicanálise.

O segundo ponto importante para a discussão é o de que na relação transferencial estabelecida em uma análise, o dinheiro em sua dimensão significante circula no espaço entre as partes envolvidas no processo, não se fixando nem de um, nem de outro lado dessa relação, mas na sua mediação. Tratando-se de uma função significante do dinheiro, tal como apontada anteriormente, mediar implica agenciar como um terceiro elemento: significa funcionar como um elemento irredutível que intervém e até mesmo divide os dois primeiro envolvidos na relação. A circulação do dinheiro marca limites para o analista e para o analisante, justamente pela impossibilidade de constituir um sentido, um significado comum entre ambos. Então, o que circula e faz função é o significante [dinheiro] e não o significado [do dinheiro]. Resta saber como operar e sustentar este limite pela circulação de dinheiro exclusivamente na realidade do discurso em análise, como seria o caso de uma análise na qual a cédula falta.

É imprescindível notar que o que está sendo postulado aqui visa a fundamentar uma proposta que pretende abrir um campo de escuta da questão do dinheiro em Psicanálise, sem, contudo, ter por objetivo ou pretensão enveredar por uma discussão sobre a essência do dinheiro. Até porque, a posição assumida aqui em prol de uma doutrina do significante implica necessariamente na abdicação da idéia de substância em benefício da apreensão da estrutura.

Se aceitarmos estas idéias, concordaremos que, na condução de um processo analítico, não se pode reduzir a questão do dinheiro à presença física da moeda ou às quantidades previamente estipuladas num contrato ou mesmo ao cumprimento pontual do pagamento. Nestas bases, menos ainda se pode prescrever ou proscrever a possibilidade de tratamento psicanalítico segundo o critério da presença ou ausência da cédula monetária. É possível considerar, e, de fato, julgo que seja realmente necessário que a cédula e pagamento podem não coincidir, isto é, podem não consistir numa mesma coisa.

Nestes termos, o que está em foco é o que disso é falado, o que, em conformidade com o que foi anteriormente argumentado, está na dependência de uma escuta diferenciada. De forma bastante simples e direta, a pergunta é: como o dinheiro é incluído e manejado em uma análise?

Ao meu ver, existe sim uma questão que é sutil e delicada para ser abordada, e mais, que julgo ser extremamente importante para o exercício tanto da prática como da reflexão psicanalíticas.

Na experiência do processo psicanalítico, o dinheiro parece ser oferecido pelo analisante como pagamento ao analista na expectativa de que este o livre de seu sofrimento. Então, se em uma análise o dinheiro é tomado como um elemento significante da condição desejante do analisando, isto é, destituído de substância, este será oferecido segundo uma referência particular de valor e na medida em que o sujeito esteja disposto a se livrar do gozo e do sofrimento gerados por seu sintoma. Considerando que isto exige dele a renúncia aos ganhos secundários envolvidos no sintoma, tal disposição de pagar por uma análise envolve, do ponto de vista da economia psíquica do sujeito, perda de gozo narcísico. Então, em uma análise, paga-se para perder.

O que o sujeito perde numa análise é parte de seu narcisismo, o que lhe impõe uma nova economia libidinal na assunção de sua condição "faltante", desejante.

Levando em conta os aspectos apontados é pertinente dizer: se há uma análise em curso, esta é sempre cara, pelo narcisismo que se perde . Neste sentido, o valor a ser pago é sempre simbólico, pois é dado por um ciframento em referência a esta perda; e o dinheiro [cifra] é um dado do Real, pela impossibilidade de se efetivar como objeto e com isso encerrar a dívida [que é simbólica].

Por outro lado, este "valor" será entregue como pagamento ao analista que testemunhou um trabalho (psíquico) que o próprio analisante realizou e que certamente estava na dependência desse testemunho para se realizar, uma vez que, como mencionado anteriormente, é um psicanalista que inaugura e dá suporte a esta nova perspectiva de relação do sujeito com sua verdade (o Inconsciente).

O dinheiro, então, metaforiza a incompletude implicada no desejo 1 que marca uma condição de falta-a-ser (não completo). Há, no entanto, uma outra vertente que interessa na apreensão do dinheiro como metáfora dessa falta-a-ser.

É possível indicar que este pagamento implique uma condição fundamental para a realização da função de psicanalista: que o interesse do analista seja o de fazer circular seu próprio desejo no mundo e que o sofrimento do analisante não o completa. Dito de outra forma, o analista oferece sua escuta por dinheiro e não por amor, o que nas circunstâncias de uma transferência pode significar a própria função analítica, já que para tal, o analista joga a favor do Sujeito de desejo, embora este seja sempre evanescente. Trata-se do movimento da própria pulsação do Inconsciente que se constitui pela concorrência e pela interpenetração entre as Pulsões de Vida e de Morte. Como faces de uma mesma medalha (moeda), a via do amor (Eros) – isto é, a via da fusão com o outro e com o mundo (sentimento oceânico) – é indissociável de Thanatos (Pulsão de Morte), que se estabelece a partir de um limite intrinsecamente colocado a esta possibilidade de fusão, o que, por sua vez – e paradoxalmente – significa a reabilitação das pulsações de vida, cujo o fim definitivo e último é a própria morte.

Como nos lembra Freud (1915:312): "Si vis vitam, para mortem. Se queres suportar a vida, organiza-te para morte"

Nesta postulação, seria possível reconhecer uma grande afinidade entre o recalque neurótico e a denegação da morte e sabemos que tanto o recalque quanto a morte insistem, retornam, repetem-se...

Certamente na direção dada à cura (tratamento) analítica, o que está colocado é justamente nosso encontro com o mundo como "faltoso", com a castração, e como um analagon com a angústia de morte.

O encontro com o mundo é faltoso e por esta razão este encontro inclui necessariamente um mal-estar. O laço social é fundado em uma renúncia de satisfação, pois, recordemos: a satisfação é primariamente incestuosa. Isto não quer dizer que o laço social anule a satisfação, mas sim que a regula, orientando-a em função de um pacto (Trieb-wunsh-lust- genuss ). Então, o mundo só nos cabe como suplemento, já que o objeto de desejo (incestuoso), de complementação é mítico, perdido para sempre.

O psicanalista opera e atualiza a função de um limite, de significante de uma falta, viabilizando para o analisante uma nova possibilidade de relação com a morte (Thanatos), o que engendra o claudicante movimento do desejo gerado entre vida e morte.

O dinheiro abordado em sua dimensão significante introduz justamente este caráter suplementar da relação de desejo e objeto, quer dizer, ocupando o lugar do objeto faltante (fálico) sem preencher a falta, a denuncia.

Pesquisando sobre o dinheiro nas produções teóricas da Psicanálise, deparei-me com uma longa discussão intitulada "O que o dinheiro deve à morte".

Este tema ligou-se instantaneamente, embora de forma enigmática para mim, a outras idéias que vinham me interessando, quais sejam: por um lado a de pensar a possibilidade de estabelecer alguma relação entre "dívida simbólica"; e por outro lado, o de problematizar algumas conseqüências das conexões entre "culpa" e "dívida" nos desenvolvimentos teóricos de Freud, estabelecidas já no fato de serem designadas por uma mesma palavra em alemão, língua original da Psicanálise: schuld.

É interessante retomarmos para esta discussão algumas das idéias sobre a gênese do dinheiro na cultura. Uma delas corresponde ao reconhecimento de que o dinheiro surge para ocupar o lugar e a função originariamente do sacrifício humano e posteriormente de animais totêmicos, oferecidos aos deuses. Naquele contexto, tal oferecimento implicou uma "morte simbólica", conectada à um "consumo sagrado". Havia, desde então, uma estreita ligação entre troca e sacrifício, na relação entre homem e deuses que, com uma maior vulgarização do dinheiro teria sido estendida aos intercâmbios entre os próprios homens.

As relações de troca entre os homens estabelecem-se reguladas por um pacto que se sustenta pela renúncia a um gozo interditado, incestuoso, imposto por uma lei cultural. Tal lei institui-se em nome de uma culpa e uma dívida, a saber, a culpa pelo parricídio e uma dívida contraída ao sobrevivermos ao pai, tendo herdado dele alguma possibilidade de gozo.

É admissível que a entrada em cena do dinheiro inclua uma mudança capital na relação do homem com a culpa e com a dívida que o remete ao pai, e que é originariamente uma "dívida de sangue".

De certa forma, o dinheiro é incluído sob pena de manter no esquecimento aquilo que, da experiência do parricídio, resta fora do sentido. Mas é por isso mesmo, pela resistência que apresenta à simbolização, que esse gozo não se inscreve e portanto volta sempre ao mesmo ponto que insiste em buscar este de gozo originário.

Isto é dizer que se supuséssemos um significado original do dinheiro, este estaria atrelado ao domínio de um gozo absoluto, aniquilador e interditado; e justamente pelo inter-dito feito a este gozo, seria possível ao dinheiro ocupar o lugar e função significante, embora tal função vise a neutralizar, a aniquilar toda significação.

Então, se o dinheiro ocupa este lugar, de função significante poderíamos perguntar o que estaria em cena no caso do dinheiro faltar numa análise? Estaria sendo colocando em risco a idéia de recuperação deste gozo interditado? Mas em que posição estaria sendo admitido o analista para abrir tal perspectiva? Aquilo que na cultura paga-se com dinheiro poderia ser pago com sacrifício? Estaria então o analista em posição de conceder uma inscrição fora da cultura? Esta não seria a reedição de um pai, sobre o qual a lei não incide e que então pode gozar de forma radical? Seria o sofrimento do analisante um pagamento ao analista?

É pelo peso implicado nestas perguntas que se faz imprescindível explicitar que o reconhecimento do dinheiro no campo dos intercâmbios humanos deve ser admitido. Caso contrário, estaria favorecida a retomada da montagem de uma cena primária, personificando o analista como aquele dotado de poder irrestrito, que se encontraria na posição de conceder ou não aquilo que é do âmbito do pacto social, restando ao analisante a condição de pagar com a vida. Ou ainda, numa construção inversa, encontraríamos o analista na própria posição sacrificial, o que engendraria para o analisante uma condição de gozo irrestrito. Então, se em uma análise a cédula falta, e o ato da entrega do dinheiro ao analista não se viabiliza, é condição buscar a sustentação do lugar do dinheiro no pacto social de outra forma.

É importante notar que no reconhecimento do dinheiro no campo do pacto social, em relação ao qual o analista nada pode conceder ou negociar, é legítimo o reconhecimento do lugar que o dinheiro ocupa no atual estágio de nossa vida social, que engendra um discurso cuja lógica capitalista inviabiliza a produção do próprio Sujeito, em relação a que cabe ao analista subverter, na produção de um discurso que lhe é próprio. Nessa perspectiva o reconhecimento da pobreza, de sua produção e da posição do analisante em relação a esta [pobreza] implicam, em grande medida, o reconhecimento de um Outro. Então, o analista não está em posição de conceder algo ao analisante, mas em posição de sustentar as condições para a produção do Sujeito na relação com o Outro.

É justamente porque a psicanálise inscreve-se como experiência dentro dos parâmetros da cultura que o pagamento de uma análise deve, necessariamente, referir-se ao dinheiro.

A questão que se coloca é justamente aquela que visa estabelecer parâmetros para sustentar a interdição a este gozo aniquilador do próprio Sujeito de desejo que é visado pelo trabalho psicanalítico.

É importante considerar o quanto a possibilidade do próprio registro cultural da Psicanásie permite que esta seja incluída de forma a operar a função de terceiro, de Outro, marcando a condição de interdição, própria ao laço social que inclui o analista. Nessa angulação, ao posicionar o analista no compromisso com a Psicanálise, fica explicitada a interdição ao gozo do analista com o sofrimento do analisante; bem como fica explicitada a interdição ao gozo do analisante de fazer de seu sofrimento uma moeda corrente. E isso deve estar presente para o analista em sua relação com a instituição e, em ato, na situação de análise quando a entrega do dinheiro estiver inviabilizado.

No que tange ao âmbito da prática clínica psicanalítica mais amplo, é possível afirmar que seja justamente no risco entre o gozo e desejo que a Psicanálise age. Sendo assim, a possibilidade da ausência da cédula se tornar uma condição de retomada de um gozo mortificador e impeditivo está na dependência de como este elemento é incluído e manejado na situação transferencial, o que é próprio à condição dos elementos introduzidos na a produção de qualquer análise.

De fato, admite-se aqui que o que viabilizaria um manejo que faça progredir o Sujeito em análise depende muito mais de como o elemento é incluído e analisado no tratamento do que o que vem a ser apresentado como elemento em si.

Se é assim, a perspectiva de equacionar a relevância do dinheiro para uma análise deve ser pensada como fator viabilizador do manejo do elemento destacado numa análise e não como argumentação que o institui a priori como um elemento impeditivo da análise para então conferir a este impedimento a aplicabilidade de uma lei geral.

Podemos agregar a isso ao dado que uma das conseqüências da proposição freudiana de inconsciente foi o rompimento com a demarcação radical da fronteira entre as idéias de normal e de patológico. Um movimento importante nessa direção foi o enlaçamento das descobertas freudianas advindas, de um lado, da clínica da histeria que, transcorrida ainda numa referência ao contexto médico, abriu campos significativos para o trabalho e reflexão, como da sexualidade infantil, o da divisão da consciência e o das distintas tendências existentes no psiquismo; e, de outro lado, as descobertas decorrentes de sua escuta dos sonhos e aquelas relativas às demais manifestações do que Freud denominou o inconsciente (lapsos, atos falhos...), comuns a todos os humanos. Tais desenvolvimentos expuseram a grande ferida narcísica da humanidade, isto é, revelaram que a consciência não era mais a senhora da própria casa. Consequentemente isso atingia a todos os humanos e não só os "doentes dos nervos". Os parâmetros até então utilizados para distinguir as manifestações e os comportamentos patológicos não parecem garantia da diferença entre normal e patológico, inclusive no que diz respeito às possibilidades de intervenção ante o sofrimento humano.

A construção da teoria freudiana dirigia-se para a constituição de parâmetros dados por uma outra referência: a da realidade psíquica. A abertura de tal perspectiva é datada na própria obra freudiana pela "Teoria da Sedução" (1895), obra na qual vemos o conceito de trauma deslocar-se do fatual para a fantasia, sem se esvaziar de sua realidade, dando, assim, um novo estatuto à idéia de verdade. Para estabelecer a positividade da nova concepção de realidade, Freud valeu-se dos mais diversos recursos, do mito à tragédia, da psicologia à metapsicologia.

Em A interpretação dos sonhos, Freud enuncia a idéia de ato psíquico como ato que visa a realização do desejo. Este se dá em pelo menos em três contextos: no próprio desejo de dormir; na construção de um conteúdo manifesto, processo denominado elaboração (onírica); e, como veremos a seguir, a partir de um ato inaugural [de escutar] de Freud ao tomar o sonho como uma comunicação para a análise ou para o analista (sonho na transferência), gerando uma possibilidade [e responsabilidade] de intervir no trabalho psíquico.

Tal acepção de ato psíquico – como ato que articula o expediente inconsciente numa formação de compromisso entre as diferentes exigências psíquicas - instaura uma nova forma de escuta da comunicação feita pelo sonhador. A escuta de uma realização de desejo.

Isto parece estar de acordo com a idéia de Psicanálise como "talking cure" (Freud,1895). Logo, tanto o sonho, como o sintoma e a própria fala do paciente em análise passam a ter o mesmo estatuto clínico, o de possibilidade de acesso ao inconsciente. O trabalho analítico é proposto para ser empreendido, então, na prática da associação livre, já que esta não é livre no que diz respeito ao determinismo psíquico que a constitui. O inconsciente manifestava-se. E era preciso criar elementos para escutá-lo.

Mas, para que a produção da associação livre se tornasse relevante, seria preciso deslocar a atenção de alguns parâmetros capitais da idéia de certo e errado, de bem e de mal, da coerência temporal e da lógica da razão e da própria "realidade externa", ou seja, da ética social. Fez-se necessário, então, pensar a demarcação e a denominação de uma outra ética, que contempleasse essa "realidade psíquica" em seus valores. Uma ética regida pelo desejo, segundo a qual o contato com o mundo é buscado ou evitado segundo as marcas deixadas pelo desejo. É por causa da co-existência e da convivência destes dois registros éticos que o mundo faz-se concomitantemente estranho (unheimliche) familiar ao ser humano.

Deste modo, as construções teóricas acerca da realidade psíquica tem como principal função viabilizar uma escuta específica que, norteada pela ética do desejo, não pode ser tomada como uma nova "realidade externa", ou como uma tecnologia. Me parece que é a esta perspectiva que compete a atribuição da importância a cada elemento introduzido pela Psicanálise ou seja, a importância de cada elemento é estabelecida apenas à medida em que possa constituir um facilitador desta operação ética. Por exemplo, o divã só é efetivamente incluído no setting analítico quando for capaz de se tornar um "divã ético", isto é, quando deixar de ser reduzido a uma mera peça do mobiliário ou a um mero aoarato técnico. Outros exemplos que poderiam ser citados são os relativos à freqüência e à duração das sessões, assim como aqueles que se referem às condições de pagamento que viabilizam uma análise.

Acredito que a relevância desta formulação acerca de uma ética adstrita ao desejo é tal que até mesmo a constatação da existência de psicanalistas merecedores desta denominação depende do fato de estar sendo efetivamente exercida a função que faz surgir precisamente este campo ético. Dito de outra forma, numa análise não é suficiente que o analisando cumpra a difícil proposta de falar em livre associação, é preciso que exista a contrapartida: uma escuta diferenciada que dê voz às manifestações do inconsciente, ou seja, a escuta de um psicanalista.

É ao escutar a fala de um analisante em associação livre a partir desta referência ética que vemos abrir a possibilidade de haver a produção de algum saber sobre o trabalho psíquico e sobre o ato de desejo que poderá mover-se cada vez mais no mundo. Assim como foi por meio de sua escuta dos sonhos que Freud inaugurou uma nova possibilidade de intervir frente o sofrimento humano, cada psicanalista inaugura frente ao sofrimento de cada sujeito em análise uma nova perspectiva de sua relação com a verdade (o Inconsciente), constituída no campo da realidade psíquica.

Uma proposição passível de ser feita a partir do que foi exposto é a de que a produção do campo analítico decide-se por um ato do próprio analista e terá como conseqüência a possibilidade de uma nova escuta, balizada pelo desejo que se delineará no contexto de realidade psíquica e ética, não coincidente com o que serve à realidade normativa (social). Trata-se da instalação do próprio campo transferencial, que sabemos ser condição para uma análise.

No tocante ao interesse do presente artigo, se pudermos considerar que há uma ética do desejo implicada em uma análise, será instigante colocar em debate algumas questões pertinentes à prática clínica que se referem ao manejo do dinheiro nas sessões de análise.

Karin de Paula
Outubro 2009

Notas

1 Quinet, 1991.

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Revista de Psicoanálisis y Cultura
Número 26 - Octubre 2010
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