Acheronta  - Revista de Psicoanálisis y Cultura
Pesquisa-intervenção: um modo de investigar e de agir na formação
Sonia María Pellegrini de Azeredo

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Resumo: Este trabalho surge do interesse em articular estudos teóricos e uma prática de muitos anos como Docente Orientador de Estágio da Licenciatura de Psicologia no Ensino Médio – modalidade Curso Normal –, da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro. Pretende desenvolver e discutir os fundamentos de uma investigação empírica produzida a partir das experiências de sala de aula, assim pensada como uma prática de pesquisa-intervenção referenciada pela Análise Institucional. Surge de reflexões feitas e das lacunas observadas em relação à orientação dos trabalhos de campo dos profissionais do magistério na área da Psicologia, como também na literatura referente a esta realidade. Intentando contribuir com os conhecimentos produzidos a partir de uma experiência de trabalho com diversos estagiários da Psicologia da Educação, parte das inúmeras ocasiões para a análise, da assim denominada "postura do estagiário", propondo outras formas para a sua inserção no cotidiano da escola; formas estas que venham romper com a demanda "clássica" e instituída do estagiário - aluno, que sistematicamente parece não divisar o lugar instituinte do estagiário-estudante, aprendiz/ pesquisador de sua prática em seu devir mestre, não somente consumidor de teorias reprodutoras do status quo vigente

Palavras-chave: Licenciatura – práticas de formação – pesquisa-intervenção

 

INTRODUÇÃO

Nosso objeto de investigação vem sendo, já, há alguns anos, a formação dos futuros Licenciados em Psicologia que atuam no Ensino Médio da Rede Estadual de Educação, no Rio de Janeiro, que, em sua modalidade "Curso Normal" vem, há décadas, recebendo "levas" de estagiários das mais diversas formações, no nosso caso, majoritariamente os da Psicologia.

Movidos pela necessidade/desejo de conquistar sua Licenciatura, esses alunos se apresentam na escola pretendida com a demanda¹ de (apenas) "observadores", aparentemente contrariando a lógica dos cânones vigentes de uma formação "pragmática", com a sua sucedânea orientação utilitarista .

Mesmo antes de serem interpelados sobre qual será sua proposta de participação, iniciam geralmente se prendendo à tarefa (última) que lhes será exigida: "uma aula de co-participação"(sic). E, uma vez na sala de aula, buscam o fundo da mesma, sentados todos juntos e em bloco, preferencialmente, raramente se misturando aos alunos da turma, muito menos se oferecendo para participar das mais corriqueiras tarefas, como ajudar na distribuição de um texto. Deixam todas as iniciativas a critério do professor, inclusive a solicitação de que integrem, por favor, os diferentes grupos da turma, para participarem de alguma atividade; caso contrário... Se ocorrer, por exemplo, de o professor se atrasar, ou mesmo não comparecer, por alguma circunstância alheia à sua vontade, mesmo tendo este avisado à escola, alguns estagiários tomam "automaticamente" o caminho de saída, enquanto outros permanecem sentados na sala da Coordenação, aguardando ainda, quem sabe, a chegada do professor. Raríssimos serão aqueles estagiários que se encaminharão para a sala de aula, espontaneamente, a fim de estabelecerem algum contato com os alunos. Desnecessário dizer que alguns deles esperam que "assinemos depois as suas presenças," neste dia "faltoso" unicamente...do professor (?!), onde a ausência deles próprios não lhes parece fazer o menor sentido.

Assim, prosseguindo com nossos "estranhamentos ", nunca tomamos essas demandas como "naturais", deixando claro para eles a necessidade de que todo o processo de estágio seja co-participativo e não apenas uma última aula; e que estejam sobretudo preparados para as imprevisibilidades deste processo...

Esses estagiários não raro se assustam, intimidando-se, e vários deles reagem dizendo "que não querem ser professores, que o estágio faz parte, mas é só para constar",etc. (sic). Com tal clareza se expressam (e com algum descaso, também...), que penso que seja exatamente neste "embate" que se estabelecerá – ou não – o encontro necessário à concretização do projeto. Ainda costumamos "provocá-los" mais ainda, ao dizermos que este processo não deverá ser rápido, nem indolor... A maioria permanece, e nos incita a produzir aulas mais bem planejadas, mais lúdicas, mais saborosas, por que não? E é pensando exatamente na vontade deste sabor (Barthes, 1977), que idealizei, há tempos, um outro "nome de batismo", iniciático, para este artigo: "As práticas de estágio nas licenciaturas: liberdade ou tiranias de cátedra?". Ao pretender analisar as useiras e vezeiras "regras" deste jogo dialético, que pode impelir o docente (no caso, nem tão docemente assim...) ao risco de ser capturado pelo exercício de algumas de suas "tiranias", em seu afã pela já conhecida – e reconhecida – "liberdade de cátedra", conforme expressão corrente.

Minha implicação com um Serviço de Psicologia Aplicada (S.P.A.) de Psicologia Social e Institucional e o aceite de estagiários em sala de aula: uma relação( nem sempre) muito "delicada"...

Minha implicação com o trabalho desenvolvido durante quatorze anos junto a um S.P.A. da área Escolar, desde o final da década de 80 (atualmente S.P.A. da área Social e Institucional), de um Centro Universitário privado, certamente possibilitou-me favorecer a inserção de tantos estagiários quantos me procuraram – e ainda procuram –, nos colégios estaduais onde lecionei – e ainda leciono –, desde l987.

Como docente/pesquisadora desta prática, venho, então, através de inúmeras iniciativas, intervindo junto ao exercício dessa (im)possibilidade de estágio no campo pedagógico– institucional, buscando sempre inquietar esses postulantes ao cargo de professor de Psicologia do Curso Normal. Não obstante, e para não fugir à quase regra, já em 2002 prenunciava ser também aquele um ano "típico", a julgar pelo primeiro contato ocorrido com uma estagiária de Pedagogia que me procurou, com a fala instituída e corriqueira de querer "assistir" à minha aula nos tempos seguintes, pois nos dois primeiros tempos "havia gostado muito da ‘minha’ aula", não tendo, entretanto, encontrado uma única oportunidade sequer para conseguir se enunciar, em sala de aula, a respeito dos conteúdos que ora estavam sendo trabalhados; a não ser este breve comentário, após o término da mesma. Por que será? Quais os atravessamentos² que contribuem, afinal, para o imobilismo de tantos jovens na sua formação? Que sentimento/estado de apatia quase paralisante acomete a tantos estagiários, pretensamente motivados para o exercício da docência? Em quais práticas e em nome de quais teorias esses alunos-mestres se apoiam, buscando predominantemente se acomodar, e no "lugar de alunos"?

Assim, como antiga supervisora da equipe do S.P.A. supra-citado, sempre entendi ser o espaço do estágio uma processualidade que deveria ser reconhecida por todos os integrantes da instituição educativa, tanto legal quanto academicamente falando. E sobretudo como prática a ser tanto legitimada quanto desejada institucionalmente, por conta de um processo de institucionalização mais descentralizador. Ainda que consideremos atitudes de repúdio existentes por parte de inúmeros profissionais da Educação, que não conseguem se disponibilizar para o aceite de estagiários em sua escola e/ou em sua (?!) sala de aula.

Não pretendo aqui, neste momento, invocar a "ordem jurídica" em demasia, conforme consideraria Lourau (1993).Não obstante, muito ao contrário do que às vezes ocorre nas escolas onde tenho atuado, sinto a necessidade de reiterar a força instituinte1 do estagiário, que pode (e mesmo deve), se fazer presentificar no campo. Acredito mesmo que o estudante não é estagiário porque faz estágio:mas, em fazendo estágio, se constituirá estagiário,conforme costumávamos considerar na equipe do anteriormente citado S.P.A..

Muito embora esta nossa assertiva pudesse induzir, talvez, a um sofisma, penso que muitos dos que vêm sendo por nós formados, até aqui, entendem suficientemente nossas palavras, fazendo-se não nossos "seguidores", mas aliados, como nos falou certa vez Heliana Conde, em mesa-redonda, na UERJ (1991). Assim, pensamos também, que a partir do momento em que o estagiário inicia o ano letivo, fazendo o seu projeto de estágio para o ano corrente, já estará se apropriando deste território, no campo social da instituição educativa. Por isso tenho, inclusive, muita dificuldade para entender, quando alguns deles me procuram para atuarem (ou não?!), por conta de uma conhecida prática denominada "prática zero"... conforme algumas universidades (públicas) assim a nomeiam. Levanto a hipótese de que um número consistente desses estagiários que nos chegam trazem uma demanda (produzida na universidade) de "prática alguma, ocupando o lugar (invisível) nenhum". Ou ainda, conforme costumo considerar, as palavras têm um peso... (no caso, o peso zero...)

Esses "entrecruzamentos" que me constituíram, sem dúvida, sujeito da ação psi/ analista institucional, vêm instaurando sentidos em meu trabalho, uma vez plenos de significados. É deste e neste lugar que me posiciono, aliada inconteste de todos aqueles autores e atores que protagonizam o cotidiano da "cena institucional"escolar, afirmando práticas político-pedagógicas que ensejamos críticas, libertárias; o que significa dizer transformadoras da realidade vigente..

A forma de "apropriação dos territórios" ou os primeiros movimentos rumo à conquista da Licenciatura

Analisando sistematicamente as experiências de estágio, bem como os relatórios de avaliação apresentados, pelo menos nos ultimos cinco anos, devo afirmar que os estagiários podem trazer contribuições fundamentais para o docente de Psicologia, bem como possibilitar ocasião para a interação social, tão necessária a todo processo de construção do conhecimento.Observo, no entanto, que um número expressivo deles, oriundos, tanto das instituições públicas quanto das instituições privadas, não trazem uma discussão acumulada, por assim dizer, sobre muitos eixos temáticos da educação, tanto social quanto politicamente falando. Também costumam relevar em demasia aqueles conteúdos e procedimentos estritamente da ordem "psi" e/ou pedagógica, denotando muitos deles a preponderância de princípios do especialismo e do "tecnificismo cientificista", em expressão usada por Coimbra (1990).

Levantarei a hipótese, inclusive, que a considerar os registros das avaliações feitas sobre as turmas estagiadas, a ênfase predominante de suas análises em determinados ítens seja produzida na formação acadêmica, pela concentração que se observa naqueles relativos exclusivamente a "procedimentos, métodos, técnicas, manejo de classe, disciplina, relação professor–aluno, etc." E muito raramente encontraremos a "contra-mão" destes funcionamentos, como encontrei recentemente na expressão de uma graduanda de uma universidade federal:

"Por que somente na Educação o aluno (estagiário) é orientado para ‘assistir’? Por que não se cobra dele que coloque a mão na massa’, conforme se diz, como têm que fazer os estagiários de outras áreas?" (Cita o exemplo literal de um aluno que curse a engenharia, e.g ). E prossegue, indo mais adiante ainda:

"Por que somos orientados a ‘observar’ como o professor ‘dá’ suas aulas, tendo apenas que fazer a nossa crítica a isso, e nunca na hora, no local do estágio?... (– " Mas depois, ‘sigilosamente’, e na sua sala de aulana faculdade – para a sua professora e colegas, não é?" indaguei-lhe). Ela assentiu.

Respondi-lhe, então, que talvez seja porque muitos não aceitam ser a educação uma prática. Ou talvez ainda, por não concordarem com Michel Foucault (1990), com sua crítica à desarticulação que comumente se faz, entre aquilo que se acredita ser "teórico" em contraposição ao que se suponha ser "prático": ou seja, como mera "aplicação" da teoria. Reiterei junto à estagiária, então, parafraseando Foucault:

... No caso específico da Educação, também, . .." a teoria [...] é uma prática" (op. cit. p.71).

Pari passu, venho observando que não são os estagiários dos cursos de Psicologia que buscam maior possibilidade de inserção nos debates e exposições de seminários, e.g.; muito pelo contrário. Nessas atividades, geralmente são os estagiários da Pedagogia que demonstram maior interesse quanto aos aspectos referentes aos processos de ensino-aprendizagem, pelo menos. É comum, no entanto, mesmo em sendo solicitados, que grande parte dos estagiários fuja à nossa interpelação, principalmente no início de seu estágio. Se trazem algum conhecimento – e é esperado que o tragam...– , parecem nunca estar muito confortáveis para disponibilizá-lo, socializando-o aos demais.

É comum também observar, em contra-partida, a "resistência" de muitos docentes para com a figura do estagiário(a), principalmente se o(a) mesmo(a) vem com a demanda de inquirir, questionar. E muito por conta daquilo que venho considerando ser mais do registro de uma tirania do que propriamente de uma legítima "liberdade de cátedra". Se o estagiário, então, foge aos padrões da dita "normalidade", não poucas vezes é submetido (nos bastidores da sala dos professores, inclusive...) a uma série de avaliações/sobrecodificações desqualificadoras, como convém às visões de senso comum que vêm inadvertidamente contribuindo para com a tentativa de se proceder a uma prática de "camisa-de-força", de silenciamento deste estagiário, ou mesmo à de sua exclusão. Conforme nos fala Rocha (2000) ... "A lógica dominante ganha espaço, constituindo-se enquanto síntese das estabilidades e exclusão das variâncias, das singularidades."(p.191) A saber, de todo aquele que não se amoldar à expectativa de muitos docentes.

Isto me faz refletir seriamente sobre os mecanismos de reprodução que habitam o universo das instituições educativas, levando-se em conta o relevante grau de adesão, por parte desses docentes, às formas fixas e imutáveis quanto aos esperados procedimentos de seus alunos, bem como de seus possíveis estagiários. Tal e qual encontramos na lógica social da exclusão, à qual estamos todos vulneráveis hodiernamente, como profissionais da Educação e como sujeitos sociais. O que me impulsiona a fazer uma leitura sobre esta conduta excludente de muitos professores, como existente não somente nas escolas; mas atuante também em muitos espaços universitários, locus da formação, por excelência, desses nossos estagiários.

O dispositivo (analisador)2 da restituição sobre o estagiário: liberdade ou "tiranias" da cátedra?

Em meu trabalho cotidiano sempre tive a preocupação de, não só fazer registros de nossas práticas, bem como a de instituir, gradativamente, o uso do dispositivo de restituição permanente, tanto aos nossos alunos normalistas, quanto aos estagiários em suas graduações. Pensamos, como Lourau (op.cit.,1993), constituir-se este (mais um) ato político no trabalho de intervenção propriamente dito.

Talvez, pelo explicitado acima, valha a pena analisarmos pelo menos um dos ítens propostos pela disciplina de "-------Prática de Ensino" de uma das instituições privadas que nos procuram, e a mim encaminhados ao final do estágio, para que avalie seus/meus estagiários. Um dos mais inquietantes é o que se refere à categoria "equilíbrio emocional", tido talvez como um dos mais importantes ítens dessa "matriz analítica", que solicita que nós, enquanto professores orientadores do estágio, assinalemos quaisquer discrepâncias observadas na conduta do estagiário. Caso ele não se apresente de acordo com essa convenção ( altamente subjetiva, convenhamos, dependendo dos fins aos quais se destina a situação de "equilíbrio" ou não...), penso estar o estágio parcialmente prejudicado. Desta forma, também quero dizer o quanto repudio essa "menção honrosa" ao sujeito (suposto) "do equilíbrio". Isto me leva a crer que também de nós, professores, não seja lícito esperar qualquer desatino, mesmo se em nome de alguma possível e "saudável loucura" que venha romper com os cânones de alguma ordem estabelecida vigente. Principalmente em se considerando os grupamentos com os quais permanentemente trabalhamos: jovens, em sua esmagadora maioria.

Definitivamente, ao estagiário não é facultado "flertar com a loucura", conforme admite Lourau (id.ib., 1993) tampouco " ver a estrela qua dança", de que nos fala Fuganti (1990), ao citar Nietszche.

Algumas falas (analisadoras) dos estagiários

Considero importante destacar pequenos recortes das avaliações finais de alguns estagiários (anos 2000/2001), desses profissionais-aprendizes, conforme alguns se denominaram em seus escritos.Muito embora não tenha aqui a oportunidade de proceder à análise de (seus) conteúdos, metodologicamente falando, tampouco à análise de (seus) discursos, reputo essas falas, por minha opção teórica e metodológica anteriormente assumida – a institucionalista – como analisadoras das práticas de formação de estágio vigentes hoje. Os trechos das mesmas (com as respectivas palavras e/ou expressões que aparecem por vezes, por mim aspeadas), por si sós, acredito, irão delinear alguns contornos do "perfil" dos estagiários que vêm nos acompanhando sistematicamente, e conferir mais consistência a este trabalho de cartografia.

Fala 1. "...O objetivo deste estágio é ‘assistir’ aulas de Fundamentos Psicológicos de Educação..."

Fala 2. "...O estágio contribuiu em minha formação, porque pude obter visões e maneiras de como trabalhar ‘de forma adequada’ em uma turma de alunos do ensino médio.Contribuiu também pelo fato de enriquecer meus conhecimentos, pois ocorriam sempre debates com as turmas, bem sugeridos ‘pela professora’, gerando total interação entre todos os presentes na sala de aula..."

.Fala 3. "...Neste ano, terei uma licenciatura em Psicologia.Quando comecei a faculdade, confesso, ‘não tinha noção que teria a licenciatura’ ...".

Fala 4. "...A ‘ junção’ da teoria, que tenho na faculdade, ‘com a prática’, no estágio, é o estágio de Prática de Ensino...".

Fala 5 "... A nossa participação nas aulas de Fundamentos Psicológicos da Educação nos possibilitou ‘observar’ a comunicação docente, a didática e a metodologia da professora; ‘se suas aulas têm ou não objetividade, clareza, e se o tempo é bem utilizado e proveitoso’. A partir desses dados podemos avaliar, de forma crítica, o ‘desempenho da professora’ dentro de sala de aula. E além disso, tivemos também a oportunidade de ‘avaliar as turmas’ ..."

Fala 6."...O estágio no Colégio nos possibilitou conhecer como é realizada uma aula de Psicologia, ‘ como um professor deve se colocar diante de seus alunos’, em sala de aula, e como ele pode escolher a melhor forma de dar suas aulas, já que cada turma é uma turma. ‘ Motivar os alunos’ a participarem das aulas ‘deve ser uma das prioridades’ de um educador..."

Fala 7 "... As experiências vivenciadas no ambiente escolar contribuíram sobremaneira para a minha atuação como futura profissional de Educação, colocando-me frente à realidade da prática docente na escola. Seguem-se, nas páginas deste relatório, as experiências decorrentes das atividades realizadas em sala de aula, ‘quando a professora passava os conteúdos’ concernentes à matéria..."

Fala 8 "...Este espaço ‘dado’ às alunas em formação profissional foi muitíssimo importante, visto que esse treinamento’ prático é essencial ao desenvolvimento acadêmico [...]. Achei muito importante ‘a abertura dada’ ao corpo discente do Curso de Formação de Professores para uma participação efetiva desta reunião, ‘pois eu não tinha conhecimento, anteriormente, de tal fato, em nenhuma das escolas por onde passei’.[...] Nosso desejo é que possamos ser ‘ótimos profissionais’, quando nossa tarefa, quando ‘nossa missão’ chegar realmente às nossas mãos..."

Fala 9. "...Acredito que, antes de mais nada, a nossa instituição deveria ‘reavaliar a obrigatoriedade’ deste estágio[...] Percebi que para sermos percebidas é necessário um cordão de identificação dizendo: ‘desejo ser professor’. Mas levando também em consideração a possibilidade desta vivência, a experiência é válida; é sempre dessa forma, de ‘atualização empírica’ do que ocorre em sala de aula em termos de ‘relacionamento professor-aluno’, ‘ métodos e té cnicas apresentadas’, que uma escola faz hoje em dia[...] O contato com os alunos do colégio ‘não serviu’ para mudar a minha opinião em vir a ser professora... "

Não poderei aqui afirmar ser toda essa convivência com os estagiários "pacífica", tampouco harmoniosa; muito pelo contrário. Alguns desses estagiários (uma média aproximada de doze a quinze por ano ) ainda se assustam, quando solicitados em situação de sala de aula, de acordo com nossos depoimentos anteriores.

Por nem sempre encontrarmos disponibilidade neles (pois um bom número se nega até corporalmente a contribuir com algum grau de movimentação, ainda que outros poucos se prontifiquem a "ajudar"...), intuímos quase sempre estarem despreparados, não se maquinando, em expressão grata a Guattari (op.cit.,1987), para as "pulsações políticas do desejo", de que também nos fala este autor. Perguntaremos então: a que(m) serve(m) tais "práticas de ensino"?

Pelo exposto, avaliamos, como Rocha (op. cit .,2000), que, com certeza existem tensões no campo de intervenção – bem como na prática do docente de Psicologia, afirmaremos- – , na sua interface com a educação. Pois, ao olhar dessa pesquisadora, seria a própria formação acadêmica que dificultaria o desenvolvimento de micropolíticas transformadoras da realidade educacional, inviabilizando tematizar-se coletivamente a vida cotidiana da escola.

De fato, o que podemos inferir da expectativa do profissional/aprendiz (o aluno/estagiário), é que ele vem imbuído de um sem número de intenções de intervenções que, a nosso ver, seriam "silvestres" demais para o que se deveria exigir da formação acadêmica: ou seja, algo, por assim dizer, um pouco mais... selvagem! Neste ponto é que defendemos uma proposta de estágio que não se limite a oferecer apenas uma "formação continuada" (Candau, 2001) a nível "teórico", mas que expanda suas práticas como caminho para uma efetiva prática docente, não se tratando, como sempre vemos nos escritos, de prática docente futura, mas de agenciamentos (coletivos) de enunciação (Guattari,id.ib.,1987), aqui e agora. E por que não?

Por entender que o docente não seja, tampouco deva ser o único, principalmente em sala de aula, a exercer a total (e apregoada) "liberdade de cátedra", correndo sérios riscos desta liberdade se transformar em tir anias da cátedra, para si próprio e para seus alunos e estagiários, é que encaminho esses escritos. Em meu nome, no de nossos alunos do Curso Normal e dos nossos profissionais–aprendizes do Ensino Superior. Sujeitos conectores (Barbier, 1977), que, a despeito de tudo, ainda conseguem se fazer desconstrutores do tédio e do mal-estar reinantes nas instituições educativas.

Notas

1.Demanda:solicitação, desejo, procura, escuta, atendimento( Cf. RODRIGUES et alii, 1992, p.14-5). A esse respeito existiriam, para as autoras, distinções entre os termos "demanda-pedido"e "demanda-de guerra",a esta última referidos os termos contenda, batalha, litígio, disputa.

2Atravessamento:..."toda instituição é ‘atravessada’ por vários níveis distintos, o que remete[...] ao estudo de sua transversalidade"(ALTOÉ, 1980, p. 2). No caso, falamos da instituição FORMAÇÃO, onde os estagiários são "atravessados" por seus pertencimentos ou suas referências às instituições diversas, onde se deverá levar em conta suas posições dentro da organização, da hierarquia e da vida cotidiana, também na prática de estágio. Ver GUATTARI, F. (1987) "A Transversalidade" In: Revolução Molecular, Pulsações Políticas do Desejo. Trad.Suely Rolnik..São Paulo: Ed.Papirus,3.ed.

3 Instituinte: são as forças de transformação que contestam o instituído(força de inércia, conservadora, que busca preservar a situação tal como ela é), e que irão demandar novas normas, dentro de uma perspectiva dialética. Ou seja:"como produto da luta permanente entre o instituinte e o instituído, a instituição em perpétua mudança", segundo a concepção de HESS, R. In:Centre et Peripherie."Eppsos"Privat (1978b:201) apud ALTOÉ (op.cit.,1980, p.3).

4 Analisador:A noção de analisador estaria ligada, segundo BARROS & VITAL BRASIL "àquilo que produz análise. Nos trabalhos socioanalíticos são privilegiados fatos, falas, acontecimentos que possam produzir rupturas nos modos naturalizados de lidar com o cotidiano." ("Cartografia de um Trabalho Socioanalítico" In: Grupos e Instituições em Análise. Org. por RODRIGUES et al. 1992,op. cit., p. 232)

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Número 19 - Julio 2004
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