Acheronta  - Revista de Psicoanálisis y Cultura
A linguagem dos órgãos e o órgão da linguagem: a sinfonia do pulsional
Maria Helena Costa

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A convivência interdisciplinar não é um charme de boa vizinhança,
mas condição de sobrevivência das teorias.
(Waldir Beividas, 2002, p. 16)

A descoberta do inconsciente como saber, operando sem que o sujeito ali possa reconhecer-se, conduz-nos à formulação freudiana de um pensamento que se torna, pelos seus efeitos, observável nos comportamentos através dos sintomas, sonhos, atos falhos, chistes, entre outros. Os efeitos dessas manifestações do inconsciente testemunham a presença de uma ausência, cujos determinantes psíquicos inscrevem a psicanálise no domínio da linguagem e do sentido.

Esses efeitos são apontados por uma teoria em que o sujeito aparece no recorte entre a substituição engendrada pelo efeito do recalque e a vivência infantil, primária e edipiana, que se reporta sempre ao singular, advinda do universal constituinte e estruturador do psiquismo humano. Freud nos esclarece que o recalque não é um conceito, mas uma descoberta, que esclarece essa vivência.

Para a psicanálise, há transmissão do Saber Inconsciente. Um saber literal, descrito e demonstrado nas derivações do inconsciente. Freud os afirma pela sua negatividade "[...] o não saber dos histéricos, era em verdade um ... não querer saber, mais ou menos consciente [...]" (Freud, 1997, v. II:276), um saber dialetizante. Embora se configure como um processo mental, portanto operante no psiquismo, permanece como pensamento inconsciente, enunciando uma ausência através da qual se pode correlacionar inconsciente, linguagem e o real.

Ao apontar a dimensão inconsciente da palavra, onde a relação entre o dizer e o dito denuncia as posições que o sujeito ocupa no discurso, Freud mostra que o funcionamento do inconsciente engendra pelo funcionamento da linguagem o novo, o surpreendente, o inesperado. Um efeito de sentido é assim produzido justamente por fazer advir o que antes não estava lá, o que não existia; nesse sentido, o puro devir. Assim, no discurso psicanalítico, desde a sua origem, a noção do inconsciente encontra-se inextrincável e indissociavelmente articulada à noção de linguagem.

A Psicanálise, ao produzir uma mudança da nossa compreensão sobre a subjetividade, possibilitou o desenvolvimento não somente de uma teoria nova, mas uma transformação de nossa visão do próprio conhecimento e das limitações da capacidade humana de conhecer.Freud demonstra o Inconsciente como Saber . Há um saber inconsciente que se revela na fala do sujeito e é a linguagem, em suas múltiplas manifestações, que permite o acesso a este saber. Esta descoberta se fez possível por meio da escuta freudiana da palavra, considerada portadora de uma mensagem que a linguagem deixara à mostra.

Por ser um discurso que toca o real em ato, o campo desta práxis conjugou a clínica e a pesquisa, fornecendo um novo paradigma que revela haver um saber que não se esgota; portanto, uma estrutura em aberto e avessa a qualquer fechamento devido ao caráter de singularidade que torna cada caso novo e único. O que a psicanálise funda no campo teórico representou uma ruptura epistemológica quanto à psicologia e à medicina de seu tempo, tanto em relação ao sujeito como objeto de investigação quanto a seu tratamento. A teoria do sujeito formulada não se refere ao sujeito psicológico ou existencial, mas a um sujeito que surge como devir. Justamente por essa razão, Freud faz questão de ressaltar que "o analista é capaz de muito, porém não pode determinar com exatidão o que vai conseguir", exatamente porque ali o sujeito advém não como síntese e sim como criação.

O movimento de escuta de Freud, aceitando e seguindo o ponto de vista do sujeito sobre o objeto que lhe dizia respeito, propiciou-lhe constatar uma intertextualidade. Era a linguagem dos sintomas que ele aprendera a ler, esta que legitimava a descoberta do Inconsciente, quando o enredo oferecido pelo paciente deixava entrever processos psíquicos presentes e operantes, ainda que inconscientes, afetando o sujeito.

Navegar nesta descoberta exige a compreensão do funcionamento do psiquismo recoberto por uma dualidade não disjuntiva entre o somático e o psíquico. O conceito de Pulsão explicita uma divisão estrutural que articula a linguagem e o pensamento, razão pela qual a palavra ganha estatuto por mostrar a relação do sujeito com a verdade, que a Fantasia veio desvelar. Este golpe de mestre nos faz declinar, a todos, de qualquer saber apriorístico sobre o outro, uma vez este modo operante demonstrar, por sua relação com a linguagem, que o homem está nu. Sua condição originária de estar apenso à linguagem lhe solta pela pele, pelos poros, pelas letras. Lugar indomado, o Inconsciente representa a cena, onde à revelia do sujeito, a língua desanda, deixando deslizar a carne e o verbo. A pulsão convoca a representação a tocar a relação da espécie humana com a linguagem e o afeto a tocar a sua natureza orgânica, compondo uma sinfonia desafinada, cujas dissonâncias nos tornam a todos iguais e cidadãos de um mesmo mundo, o pulsional.

Esta condição humana, presente como mal-estar na civilização, relaciona-se em última instância à relação do homem com a linguagem (haverá sempre um mal entendido), que representa o assentamento perpÿtuo do humano na necessidade de reconhecimento de outrem. A Neurose de Transferência foi o artifício freudiano que melhor encaminhou a "coisa" a uma possível verbalização.

E pela ação do outro e através da linguagem que as pulsões parciais se conjugam e se unificam, formando no organismo humano o que Freud denomina a primazia do genital. Para Freud, a pulsão sexual recalcada provoca uma cisão no psiquismo, pois separa a representação rejeitada do afeto que lhe ÿ compatível; princípio constitutivo da natureza humana. Esta cisão possibilita a via colateral de escoamento da energia pulsional e permite os desvios necessários, nem sempre defensivos (angústia, repressão e sublimação), que formarão os rearranjos na economia libidinal do sujeito, por sofrerem os instintos o contorno da linguagem.

Ao perceber o ordenamento do gozo pela linguagem, Freud privilegia a fala de seus pacientes e explicita no amor a expressão mental da sexualidade. Ao não se esquivar do encontro entre os corpos e ao fechar-se entre quatro paredes, Freud sustentou um desvio, justamente aquele que o impelia a suspender a vaidade, pois descobrira que o Amor Transferencial (o que se faz corpo através da linguagem) dizia da cena originária, onde a fantasia tecia uma rede intrincada de pensamentos inconscientes.

Mas... todo o seu mérito reside aí – há uma ultrapassagem ofertada pela linguagem –, há no horizonte um sujeito e um sentido, portanto, um devir, a ser produzido na relação do sujeito com a linguagem, eis a questão e o fundamento do discurso psicanalítico. À afirmação: "a existência de uma pulsão sexual na infância possui o caráter de uma lei" (AE, p. 157, v. 7), e acrescentamos que seja de uma lei que sofre o contorno e o entorno da linguagem. O pensamento Inconsciente, traduzido e cifrado como hieróglifo no corpo, sustenta como pura potência uma linguagem que aponta para um sentido e para um sujeito produzidos num ato discursivo. No cerne da descoberta freudiana do Inconsciente, um processo linguageiro e alteritário funda o sujeito como dividido.

O Inconsciente se relaciona à pulsão pela convocação e pelo recobrimento que o objeto parcial recebe da linguagem, elevando o gozo da ordem do instintual para a ordem do pulsional, quando e onde vemos em jogo o laço Inconsciente e Linguagem. Este processo é introduzido pelo Complexo Perceptivo que parte do nomeado por Freud de "Complexo do Próximo" ou "Complexo do Semelhante".

A Neurose Transferencial é, ao mesmo tempo, artifício e palco onde a "Outra Cena" poderá vir a ser encenada; descortinando o lugar onde o sintoma revestido de sua relação fantasmática se traveste de erotismo e destrutividade, deslocando a fase simbólica que a encobre. Neste sentido, a alteridade e a linguagem cumprem neste processo um papel essencial, qual seja, o de emprestar o corpo da linguagem para se fazer o corpo próprio. Desse modo, sexualização e identificação representam as vias de acesso à subjetividade, quando a singularidade se remete ao pulsional que, perverso em seu caminho, torna e revela ser o sexual "originário", e infinitamente renovado em sua repetição. Mesmo quando não se liga a qualquer representação, apresenta-se em todas as ações e reações do sujeito, sejam elas manifestações físicas ou psíquicas. É a partir dessa dimensão transferencial, estruturada e constituída pelo pulsional, que a clínica opera na investigação e tratamentos dos casos, uma vez que o Sexual não oferece qualquer resistência.

A divisão da subjetividade, sob o império do pulsional, produz através da intersubjetividade (experiência primária infantil e edipiana) um pólo marcado pelo conflito, através do qual vemos o sujeito exteriorizar-se, algumas vezes sob duras penas, quando o movimento toma a forma de uma esquizofrenia, de uma demência, de um ato criminoso, ações violentas, delinqüentes ou toxicomaníacas, e/ou de inumeráveis outras formas que adquirem manifestações comportamentais que escapam à situação circunstancial e/ou ocasional. Nesse sentido é que podemos entender o significado da descoberta freudiana da sexualidade como traumática, retirando decisivamente o tratamento da idéia de cura e de uma resolução sintomatológica.

Quando Freud nomeia a Psicanálise de "Psicologia do Profundo", refere-se ao processo denegatório e estrutural na constituição do psiquismo, que constitui isso que não é reconhecido pelo sujeito como lhe pertencendo. Nos "Estudos", esta descoberta subversiva e original deixava entrever, no sintoma, estruturas simbólicas e substitutivas de uma realidade incompatível com o sujeito e, por isso mesmo, por ele rejeitada. O discurso analítico revela que o sentido do sintoma está ligado à experiência individual do sujeito, portanto todo o sintoma tem um sentido, um propósito e uma intenção.

Enquanto fenomenologia, o sintoma é uma estrutura simbólica. Por isso os pensamentos inconscientes podem ser desvelados ao serem observados na conversão somática dos histéricos e/ou nos pensamentos compulsivos dos obsessivos. No caso dos obsessivos, estes pensamentos retornam, por exemplo, no ato repetitivo de lavar as mãos, que vem como substituição de um pensamento rejeitado pelo "Eu". Por possuírem uma significação inconscientemente latente, um sentido, apresentam susceptibilidade de se tornarem conscientes e inteligíveis, o que para a psicanálise quer dizer tornar consciente o inconsciente.

A importância do Saber Inconsciente, ambos enunciados desde os casos clínicos sobre a histeria e os estudos sobre as afasias, reside na demonstração de uma modalidade de lesão relacionada à representação. Trata-se de uma realidade que revela o sujeito em relação ao seu inconsciente não como o subjetivo ou o individual, mas sim manifestado no efeito de uma produção discursiva, operacionalizada no ato de sua enunciação. O sujeito do inconsciente advém como efeito de um discurso que supõe interlocução e alteridade. Estes aspectos são assim relevantes para legitimar, na descoberta freudiana, essa estrutura sempre aberta na qual se forma esse efeito de sujeito, dando significado à existência de um processo mental, que traria em seu bojo um pensamento engendrado no ato da fala como novidade.

Tais descobertas são importantes por trazerem a idéia de um sujeito que só aparece representado pelos efeitos enunciativos impostos por uma realidade discursiva que é inconsciente, sendo nesse aspecto nitidamente diferenciado da idéia de uma teoria da personalidade e da dupla consciência, que daria ao "Eu" a função de síntese. Na Interpretação dos Sonhos, surge um traçado de como esta "memória inconsciente" retorna nas lembranças, o que nos é mostrado através do sonho "da Injeção de Irma". O assunto é discutido também no caso do Homem dos Lobos, no do Homem dos Ratos e em textos teóricos como Os Chistes e Suas Relações com o Inconsciente e Psicopatologia da Vida Cotidiana, entre outros. Nesses textos, demonstra-se que o Saber Inconsciente gira em torno de elementos literais que se repetem, portanto, um saber que nos orienta e que assim se constitui.

No caso Elizabeth, discutido nos estudos sobre a Psicoterapia da Histeria, explicita-se que, quando cada lembrança capturada da paciente tornava-se consciente, esse funcionamento fazia desaparecer simultaneamente a dor e o sintoma; os símbolos mnêmicos deslocando-se nas representações. A análise do caso Elizabeth vem evidenciar que no pensamento freudiano o "orgânico" não se opõe ao psíquico, mas leva a uma compreensão desse dualismo numa dinâmica em que o conceito de Pulsão funda o Inconsciente fora das categorias do "biológico" e do "psicológico".

Freud inova o pensamento de sua época, procurando demonstrar que se observa no corpo manifestações de natureza inconsciente do psiquismo. Para ele, o corpo não deveria ser estudado do ponto de vista exclusivamente biológico, mas como um organismo atravessado por manifestações psíquicas. Seríamos, pois, dotados de um aparelho corporal, no qual as manifestações do inconsciente encontrariam expressão. Estas representações, assim constituídas, não se tornam necessariamente patologias, uma vez o sentido do sintoma encontrar seu habitat na experiência do sujeito, o que inscreve um campo de sentido subscrito no ato da fala e adscrito ao campo pulsional perverso e polimorfo. Apreender a dimensão da descoberta freudiana, que postula a existência de processos psíquicos inconscientes, requer a compreensão da questão da afetividade e do efeito da linguagem no pensamento humano como realidades indissociáveis.

Elaboramos dois gráficos para facilitar a discussão de conceitos cuja correlação no campo da psicanálise é essencial para a compreensão do funcionamento do psiquismo e da relação entre Inconsciente e real. Na Figura 1, queremos salientar, através da seta que liga Recalque ao Inconsciente e à Pulsão Sexual, que o circuito ininterrupto dos processos excitatórios não encontra resistência ou não passa pela censura entre os sistemas Icc e Prcc e por isso representa o inconsciente latente, e não o reprimido.

Figura 1

Na Figura 2, ao retirarmos o termo Sexual que define a Pulsão, queremos fazer notar que Freud demonstrou, ao longo da sua exposição das três teorias pulsionais, que os processos excitatórios dos atos psíquicos têm como fonte o somático, como força o seu impulso, como objetivo a satisfação, sendo seu objeto o que há de mais variável, devido à característica perversa e polimorfa da pulsão. Dessa forma, não seria mais necessário distinguir as pulsões entre Pulsões Sexuais e Pulsões do Eu (1ª teoria), Pulsões Libidinais do Eu e Pulsões Libidinais do Objeto (2ª teoria) e Pulsões de Vida e Pulsões de Morte (3ª teoria), uma vez que a pulsão, qualquer que seja a sua natureza, permite por seu funcionamento a observação, descrição e análise de seus efeitos.

Figura 2

Portanto, o funcionamento do recalque opera sob três possibilidades. Originalmente, o psiquismo pode não se submeter a qualquer censura e por isso os seus efeitos se exteriorizam e se manifestam sem que o sujeito possa se reconhecer ali. A segunda possibilidade é a censura ocorrer e produzir por esse motivo as chamadas derivações do inconsciente, substitutos do sexual que se exteriorizam representados nos sonhos, nos atos falhos, nos chistes, nos sintomas e em toda e qualquer ação e ou reação. Essas manifestações do inconsciente tanto se apresentam através das condutas e dos comportamentos, como da produção de doenças orgânicas, sendo ou não suscetíveis de consciência. Finalmente então, podemos considerar as que são suscetíveis, que podem retornar como produções que se operam em ato, quando a interpretação engendra ali o tornar-se consciente, o que significa dizer que esse efeito emerge como novidade e não como mera repetição. O que retorna é Original e nunca sem conflito, por estar remetido à realidade sexual como inconsciente e traumática.

Freud elucida, em sua Metapsicologia, a correlação das suas duas tópicas Icc/Prcc/Cc e Isso/Eu/Supereu. Na primeira, teoriza sobre o funcionamento e o movimento das representações no psiquismo. Na segunda, teoriza sobre o funcionamento e o ordenamento do afeto que se apresenta de modo ininterrupto no psiquismo, onde o sentido dos efeitos pulsionais são manifestados representacionalmente. O Isso é relacionado ao "originário", sede das funções e das manifestações somáticas e o ponto de confluência do Estranho e do desamparo que se expressa na nossa humanidade. O Eu é relacionado ao recalque primário, momento de inscrição da Fantasia e o início do desenvolvimento do Eu, onde a força de atração e a força de repulsão representam o ponto tensional e conflituoso gerado pelo circuito incessante das pulsões. E o Supereu, é lugar das identificações culturais, sejam elas advindas do grupo primário ou secundário de socialização.

Tal funcionamento revela que a sexualidade subverte o biológico e essa transmutação representa o núcleo traumático e a dramaticidade da nossa humanidade. Assim, toda representação, seja de que natureza for, não se acha referida a uma teoria desenvolvimentista, não cabendo qualquer critério de descrição do sexual enquanto função biológica e reprodutiva, nem aos gêneros masculino e feminino apontados pelos fundamentos culturais e ou sociais, regulados pelos códigos e/ou as formas do Direito.

Os processos excitatórios que percorrem as representações em todas as suas variadas e múltiplas linguagens verbais e não verbais estão a engendrar processos de subjetivação em que o afeto e a representação convergem na explicitação do objeto pulsional. Na coincidência e encontro do sujeito com esse objeto, a interpretação é sempre da ordem do sujeito em seu devir, não havendo, portanto, nenhum saber apriorístico, nem da parte do analista nem da do próprio sujeito. É preciso ir além do terapêutico e/ou normativo, ou seja, ouvir o sujeito em sua singularidade e sobretudo não distorcer o sentido do sintoma apontado pelo sujeito. Se o analista não sustenta a experiência do inconsciente, a possibilidade de constituição de algo da ordem do analisável dificilmente se estabelecerá.

Resta ainda salientar, como ponto nodal, passível de análise e discussão, uma certa distorção e/ou não compreensibilidade que se estabeleceu em relação aos campos da psicanálise, psicologia e psiquiatria que, incluídas em uma mesma série , geraram equívocos. Referimo-nos a uma leitura psicanalítica que se encaminhou na tentativa de apropriação de elementos da teoria freudiana para fazer do desejo uma questão de representação. O procedimento deu margem a equívocos grosseiros, como o de extrair do campo freudiano a dimensão essencial da fala referida ao gozo, o que é o fundamento e a sua criação, ou seja, sua exclusão do terreno do pulsional, que é o seu campo de investigação e tratamento.

Essa leitura representa uma distorção dos postulados originalmente formulados por Freud, pois desconsidera o desejo como intrínseco à descoberta do inconsciente, estacionando-se na idéia de um gozo recalcado e esvaziado no simples extravasamento das funções biológicas. E o que é pior ainda, interpretando-se equivocadamente a sexualidade, fazendo-a corresponder à genitalidade, resultando na exclusão da psicanálise decididamente do próprio campo que inaugurara como descoberta: o pulsional.

CONCLUSÃO

Concluímos salientando o quão estarrecedor é o repúdio da civilização a essas novas formulações teóricas, ao vermos que não se modificou ainda em quase nada a realidade dos preconceitos relativos, por exemplo, à homossexualidade, nem a abordagem e o tratamento das doenças na área da medicina, que se inscrevem quase que na mesma ordem dos preconceitos, tornando-se ambos a expressão máxima das conseqüências do desprezo ou rejeição dos novos conhecimentos na contemporaneidade. A partir da teoria freudiana podemos pensar o pulsional conceitualmente, elevando o corpo e o sintoma a uma "categorização" que não desconsidera o corpo e o biológico; antes os relaciona e revela os efeitos do sexual em si mesmo e o Inconsciente como o psíquico.

Consideramos, portanto, que esforços para divulgação desses conhecimentos devem ser empreendidos para que seja conquistada sua compreensão adequada e assim o entendimento exato de sua importância na solução de variados problemas que afligem a humanidade. Freud nos alerta para a infinidade de razões pelas quais as pessoas deviam se tratar, afirmando que "Não há na vida nada mais custoso que a enfermidade e... a estupidez" (FREUD, 1998, v. XII:134). Além de salientar os males causados pela enfermidade e devido à ignorância, prevê que suas hipóteses causariam impressões sobre as pessoas e ainda que deveriam ser buscadas expressões mais simples e intuitivas, para que esse saber pudesse alcançá-las em maior número.

Por esse motivo, pode-se afirmar que a existência e disponibilidade do conhecimento geram responsabilidade de contribuição social do psicanalista, principalmente quando surge um contingente cada vez maior de tratamentos e práticas alternativas. São oferecidas pílulas, receitas e soluções miraculosas que, em sua maioria, respondem apenas ao alívio imediato das tensões e dos sintomas, configurando-se muitas vezes como "objetos" que pretendem ser capazes de preencher qualquer vazio existencial.

Tais práticas, que se imbuem do intento de eliminar conflitos e dificuldades inerentes à existência humana, geralmente não os apresentam como constituintes e necessários à condição de crescimento, muito menos que por essa razão não devem ser eliminados, mas analisados e enfrentados. Nesse sentido, é uma importante contribuição da psicanálise mostrar a possibilidade de se perceber e compreendê-los e, nesse movimento, produzir efeitos de mudança quando demonstrada a causalidade psíquica deflagradora dos conflitos.

O posicionamento de Freud não foi excludente ao salientar o enfrentamento de tais dificuldades, porque fez questão de ressaltar também que não deveria nem poderia ser desprezado todo o avanço, evolução e contribuição relativos aos conhecimentos sobre o cérebro e seu funcionamento, nem ignorada a eficácia da ação dos medicamentos em alguns casos e circunstâncias. Ele assinalou que "o nosso interesse psíquico não deveria excluir nem as enfermidades inequivocadamente orgânicas" (Freud,1998, v. XII:131). Portanto, é imprescindível para o psicanalista discernir as diferentes situações em que o tratamento dos enfermos exigirá ou não a utilização desses recursos, pois é sempre a partir de conhecimento e diligente análise que se determinam as possibilidades de tratamento.

REFERÊNCIAS

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COSTA, Maria Helena. O inconsciente freudiano: Uma teoria do sujeito e a subversão do biológico. Dissertação de Mestrado. Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora – CES/JF, 2003.

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Número 23 - Octubre 2006
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