Acheronta  - Revista de Psicoanálisis y Cultura
Contratransferência
Lucia E. Tower
Tradução de Carlos Serafim Martinez

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I - Considerações Teóricas

Algumas referências à contra-transferência podem ser encontradas nas primeiras publicações psicanalíticas, e se de início sua existência foi aparentemente bem recebida, o modo de falar sobre ela era displicente. Dizia-se apenas que os analistas poderiam ter reações tranferenciais a seus pacientes. Pouco se disse além disso, e havia indicações de que se tratavam de reações dúbias, a serem controladas, e a discussão pública deste assunto pelos analistas representava uma espécie de auto-revelação indecorosa. Há cerca de 10 anos atrás, um pequeno número de artigos começou a surgir, e seu tom geral era de embaraço, pois estas eram tomadas como imperfeições maiores em nossos procedimentos terapêuticos, e é de fato evidente que alguns fenômenos contra-transferenciais devem ser considerados extremamente repreensíveis.

A literatura sobre a contra-transferência teve uma ampla revisão feita por Douglas Orr (1). Meu principal propósito é apresentar algumas idéias próprias com material clínico detalhado, por isso farei apenas um breve comentário sobre essa literatura.

Embora haja ampla concordância entre os analistas quanto à transferência, o mesmo não se dá com a contra-transferência. A primeira referência de Freud em 1910 era proibitiva: "Tornamo-nos cientes da contra-transferência, que surge no analista como resultado da influência do paciente, sob os sentimentos inconscientes do analista e estamos inclinados a dizer que ele a reconhecerá em si mesmo e a sobrepujará".

É incrível que um fenômeno tanto natural quanto inevitável, capaz de enriquecer nossa compreensão, tenha ficado tão censurado por 40 anos quanto a sua existência. Não se supõe existirem analistas tão perfeitamente analisados a ponto de não ter mais um inconsciente, ou imunes ao revés de impulsos instintivos e de defesas contra esses impulsos. O próprio linguajar de nossas práticas no treinamento desmentem essa máscara de analista perfeito. Dizemos que a análise pessoal do estudante deveria servir como "uma experiência inicial com o inconsciente"; que deveria dar-lhe o poder de "trabalhar livre de seus próprios padrões emocionais perturbadores" e habilitá-lo a prosseguir depois em sua auto-análise por conta própria. Em nenhum momento se espera que ele tenha sido perfeitamente analisado. Além disso, nossa recomendação de retornos periódicos à análise aos analistas pressupõe uma grande reserva inconsciente, origem de novas respostas neuróticas a pressões emocionais de pacientes de análise sobre o inconsciente do analista.

As concepções da contra-transferência, diversas e contraditórias, deram origem a uma série de proposições. Idéias iniciais a definem como a reação emocional consciente do analista à transferência do paciente, as atitudes que incluem toda reação consciente e inconsciente ao paciente, normal ou neurótico, construções de mecanismos na relação interpessoal entre o paciente e analista segundo o esquema edípico. Foram incluídas disposições de caráter e excentricidades pessoais do analista. Reações ao paciente como um todo foram consideradas transferência e, a aspectos parciais do paciente, contra-transferência. A angústia no analista foi considerada como o denominador comum a todas as reações contra-transferenciais e toda resposta que produz angústia no analista também foi considerada contra-transferência. Por fim, apenas os impulsos sexuais com os pacientes foram considerados como contra-transferência. As maiores diferenças têm como questão central a idéia de "ver o analista como um espelho ou como um ser humano". Contra-transferências foram consideradas como transferências e nada mais ou, ao contrário, algo totalmente diverso e diferente disso.

Outras diferenças envolvem questões como discutir ou não a contra-transferências com pacientes; sendo um fenômeno sempre presente, seria por isso normal; se deve ser considerada razoavelmente normal, uma vez que está sempre presente, ou é sempre anormal. A noção de "envolvimento persistente" do analista é mencionada várias vezes como inquietante por suas implicações.

Quase invariavelmente há proibições explícitas contra qualquer manifestação de contra-transferência erótica. Em apenas uma menção, acredito, sugeriu-se que a ausência de períodos ou ocasiões de "sobrecarga" indica que a análise não terá êxito. Apenas uma vez, acredito, sugeriu-se que possa haver sob circunstâncias normais, e mesmo oportunas, algo que se aproxima de uma neurose de contra-transferência. Principalmente esta idéia é extremamente criticada.

A natureza proibitiva do que se escreve sobre o assunto pode ser indicada de modo resumido pelas típicas citações seguintes:

Estas e outras atitudes semelhantes pressupõem uma habilidade consciente no analista em controlar o seu próprio inconsciente. Tal suposição viola a premissa básica de nossa ciência de que os seres humanos são tomados por um inconsciente que não está sujeito a controle consciente, embora afortunadamente seja sujeito à investigação através da neurose da transferência (e presumivelmente também da contra-transferência).

Evidências comuns de contra-transferência são descritas como:

A recente literatura sobre o tema inclui vários artigos perceptivos, ricos em material descritivo e exemplos clínicos, cujo tom é menos proibitivo.

Penso que o uso do termo contra-tranferência deva ser reservado para fenômenos que são transferências do analista a seu paciente. Estou convicta de que há em toda análise o aparecimento de contratransferências inevitáveis, naturais, e freqüentemente desejáveis, evanescentes ou mais duráveis, correlatas do fenômeno de transferência. Interações (ou transações) entre transferências do paciente e contra-transferências do analista se dão em nível inconsciente e poderão ser, talvez sempre sejam, vitais para o resultado do tratamento. A verbalização intelectual, que consiste nas comunicações do paciente, e a atividade interpretativa do analista é o meio pelo qual canais subterrâneos e profundos de comunicação são criados entre o paciente e médico. Tais interpretações não curam, e tampouco qualquer analista será lembrado em primeiro lugar por seu talento interpretativo, por qualquer paciente com que tenha tido êxito. Não é razão para depreciar a importância de interpretação no procedimento analítico. Obviamente, apenas através das comunicações verbais do paciente, e dos esforços diligentes, imparciais, interpretativos do analista será possível, pouco a pouco, retirar as defesas e serem obtidas comunicações e insigths profundos. É o que constitui a essência do efeito curativo do processo analítico.

As transferências e as contra-transferências são fenômenos inconscientes, baseados na compulsão de repetição, derivadas de experiências significativas, em grande parte da própria infância da pessoa, dirigidas a pessoas significativas da vida emocional passada do indivíduo. Atitudes habituais, relativas ao caráter, não deveriam ser incluídas como fenômeno de contra-transferência, uma vez que sua expressão aparece praticamente inalterada em qualquer situação e falta a elas a especificidade da contra-transferência a uma determinada situação. A permissão obtida de derivados do instinto em se tornarem ego-sintônicos e incorporados à estrutura de caráter torna tais atitudes essencialmente conscientes ou pré-conscientes, em contraste com o fenômeno da transferência, derivado de conflitos inconscientes profundos em uma determinada situação, em um determinado momento, e em resposta a um determinado indivíduo para quem foram mobilizadas antigas experiências, marcantes em relação a figuras importantes do início de sua vida. É provável que a doutrinação de pacientes, por exemplo, não seja normalmente um fenômeno de contratransferência, mas um derivado do impulso. Muitas outras coisas incorretamente discutidas como "contratransferências" são simples falhas nas percepções ou na experiência do analista.

As dificuldades em discutir os problemas da contratransferência são muitas. Há escassez de bom material clínico resultante de sistemas defensivos dos analistas quanto ao problema. As mesmas resistências em admitir na consciência a contratransferência, entre analistas, são verificadas em maior grau e de forma mais insidiosa que nas resistências de seus pacientes a insights da transferência. Há boas razões para isso. O analista praticante é alvo de constantes ataques e tem uma posição precária a manter. Sua motivação para se modificar é pequena e, quando ocorre, normalmente se dá por razões pessoais. O paciente vem ao analista com a finalidade de ser mudado, e só valoriza o procedimento se perceber mudanças a caminho. O analista, porém, fica ansioso quando percebe mudanças em si próprio, promovidas por pressões emocionais de pacientes , e não há ninguém que o leve a se confrontar com isso exceto ele mesmo.

Além das resistências dos analistas em explorar a contra-transferência e o tempo insuficiente para que tal questão pudesse estar madura, há razões práticas para a escassez de nossa informação sobre o assunto. Nas sessões analíticas de tratamento, um analista habitualmente se esforça em minimizar suas próprias fantasia sobre si mesmo. Exige-se tempo para analisar qualquer um, o que inclui a si mesmo, e um analista ocupado, cujo maior tempo do dia é dispensado aos pacientes, naturalmente desconsidera muito material potencialmente esclarecedor que por vezes surge em sua mente. Outro fator é a urgência imposta pelos fenômenos de contratransferência quando escancarados na consciência. Episódios de acting-out contra-transferênciais, por exemplo, confrontam o analista com uma situação surpreendente que exige rápida ação e bom senso. Ele deve se concentrar em manter a situação analítica sob controle, e freqüentemente a surpresa e choque apagam da memória os processos que conduzem até o incidente, provavelmente devido à repressão do desconforto então experimentado.

A decisão tomada há muito tempo de que os analistas devem ser analisados antes que pratiquem foi um enorme avanço em relação a qualquer forma prévia de treinamento médico. A idéia de fazer do médico um paciente antes que possa praticar como médico é em si traumática. Afinal de contas, aquele que se tornará um analista, dar-se conta do caráter insidioso do fenômeno de contratransferência como uma ameaça e uma decepção. A importância da análise para o futuro analista foi logo reconhecida. Provavelmente foi, na prática, o maior fator no rápido avanço de nossa ciência, mas não se avançou mais longe que isso. De certo modo, a análise preparatória ou pessoal do futuro analista ofereceu algo parecido com a proteção que o sonho oferece aos nossos pacientes. O sonho é por eles considerado como um corpo estranho, do qual não possuem nenhum controle, distante no tempo, e algo para o qual não precisam ter qualquer sentimento de culpabilidade. De modo semelhante, a análise pessoal preliminar é freqüentemente considerada pelo analista em atividade como sendo algo perdido no tempo, que havia sido imposto a ele, e que se ligava a problemas anteriores, sem conexão com situações atuais, distanciado no questionamento sobre as defesas e racionalizações. As análises (ou as observações) dos analistas praticantes serão no futuro a melhor via para entender o processo de tratamento. Analistas supervisores estão em condição de entender e fazer tais observações.

As resistências do grupo à exploração do inconsciente do analista, na situação de tratamento, seguem padrões bem conhecidos. Há um medo dissimulado de estudar a atividade do analista, como se informar quaisquer de suas reações significasse ser permissivo quanto a reações cujo caráter é duvidoso. Em quase todo artigo sobre contratransferência, algum preço é pago a esta rigidez do grupo, sob forma de moralismo e proibição piedosa, a despeito de se discutir os problemas da contratransferência com inteligência e simpatia. Quase todo autor na questão da contratransferência, por exemplo, se declara inequivocamente contrário a toda forma de reação erótica para um paciente. Isto indicaria que as tentações nesta área são grandes, e talvez onipresentes. Tal posição é enfática e praticamente unânime. Outras "manifestações de contra-transferência" habitualmente não são condenadas. Presumo que em certa medida tais respostas eróticas aborrecem quase todo analista. Isto é e fenômeno interessante e pede por uma investigação. Em minha experiência, praticamente todo médico, ao ganhar confiança suficiente em seu analista, relata sentimentos eróticos e impulsos para seus pacientes, habitualmente com uma boa dose de medo e em conflito. A seguinte história é típica: Um candidato que fizera uma análise terapêutica parcial, anterior ao início de sua formação, colocou em discussão o caso de uma paciente muito atraente, cujo tratamento caminhava para um desfecho próspero. A paciente apresentara uma resistência através de um prolongado e irritante silêncio. O candidato dizia: "Com esta paciente eu experimentei talvez a contratransferência mais sexual dentre todos os meus pacientes. Durante os períodos de silêncio, eu ficava sentado, imerso em fantasias sexuais com ela. Meu pensamento era que isso não seria comunicado no caso de iniciar uma análise didática, por causa do que Dr. X (o analista prévio) disse. Quando falei sobre isto, ele pareceu bravo e de fato disse:" Como pode você se interessar por uma paciente assim doente. Você não tem nenhum direito de ter qualquer fantasia com qualquer paciente!" É confuso porque penso que minhas fantasias produziram uma série de insigths. Eu realmente nunca imaginei que poderia lhe falar sobre isto, e estou seguro de que posso fazê-lo. O que terá você feito para possibilitá-lo?

"Hoje me recordo de que uma vez falei sobre uma "atração" que senti por uma certa paciente. Bastante defendido, não admitia que a atração era sexual, admitia apenas uma atração, e você perguntou," O que garante que seus sentimentos não podem ser úteis a ela "? Foi o que tornou possível falar sobre minhas fantasias sexuais. Gostaria de saber se sua observação realmente inclui a aceitação de fantasias sexuais (i. e. de sentimentos) ou se restringia à atração ".

Este homem era um excelente terapeuta e não era propenso a produzir acting-outs. Não obstante, sentiu um medo artificial do erótico e de reações contra-transferenciais, ligado ao que percebeu ser a atitude proibitiva do grupo ao qual aspirou pertencer. Nele não havia essencialmente um sentimento de que houvesse algo de errado em ter reações deste tipo.

Somos bastante atentos na seleção de candidatos à formação quanto a seus recursos libidinais, na hipótese de que grandes quantidades de libido disponíveis serão necessárias para tolerar a pesada tarefa de muitas análises intensas. Ao mesmo tempo, qualquer investimento libidinal feito por um analista em um paciente será motivo de zombaria. É muito obscura a nossa compreensão sobre as vicissitudes e funções da libido do analista na relação de tratamento. Creio que o tema seja em si mesmo extenso e importante. Não basta falar em dedicação, empatia e rapport, por mais importantes que sejam. Trago a discussão sobre as reações libidinais do analista porque evocam uma grande contracatexia entre os analistas, que suponho pertencer à categoria de rígidas defesas do grupo analítico. Posso dizer que várias formas de fantasias e fenômenos de contratransferência erótica, de caráter afetivo, estão em presentes em minha experiência e são presumivelmente normais. Entre características manifestas deste fenômeno temos o fato de que não existe o impulso para agir em função deles, e na maioria vezes os encontramos completamente separados temporalmente de transferências eróticas do paciente.

Temos muitas fantasias e sentimentos em relação aos pacientes, e sua admissão não é problemática especialmente quando correspondem a algum elemento da realidade. Quase todo o sentimento racional ou irracional que podemos ter com pessoas de nosso cotidiano pode ser às vezes experimentado em relação a nossos pacientes. Porém, sentimentos que parecem excessivos ou impróprios ao que o paciente parece ser, ou ao que ele diz, especialmente se associados com angústia, indubitavelmente significa contratransferência. Sonhos sobre pacientes são significantes e sempre se deveria explorar seu significado contratransferencial específico.

Há muito tempo conjecturo que em muitos, talvez em todo tratamento intenso de análise, produz-se algo da natureza de uma estrutura contra-transferencial, talvez até mesmo uma "neurose", que são a contrapartida essencial e inevitável da neurose de transferência. Tais estruturas contra-transferenciais podem ser maiores ou menores em seu aspecto quantitativo, mas no cômputo geral seu significado pode ser considerável para o resultado do tratamento. Creio que funcionam como catalisadores no processo de tratamento. Sua compreensão pode ser tão importante para o desfecho do tratamento quanto o entendimento intelectual da própria neurose de transferência, porque tal compreensão talvez seja o meio pelo qual o analista pode entender emocionalmente a neurose de transferência. A neurose de transferência e a estrutura da contratransferência parecem estar intimamente ligadas em um processo vital e devem ser levadas em conta continuamente no trabalho que é a psicanálise. De fato, duvido que haja qualquer relação interpessoal entre quaisquer duas pessoas, independente da finalidade, que não envolva, em maior ou menor grau, algo na natureza deste processo psicológico vital: interação com um inconsciente e transferência.

Sabemos que mal tocamos na questão das análises preparatórias de futuros analistas no que se refere à compreensão de si próprios e de seus potenciais em favorecer a transferência com seus pacientes no futuro trabalho analítico. Estou inclinada a acreditar que há níveis de transferência que nossa capacidade atual não permite alcançar. Há talvez até mesmo níveis de transferência que nunca atingiremos, através de qualquer método psicológico, devido ao que fica na fronteira entre o biológico e o hereditário. O fenômeno do apaixonamento, tão pouco compreendido dinamicamente, pode estar aí situado.

Uma coisa, porém, é ser capaz, a partir da experiência e da formação, formular conscientemente a possível ocorrência de determinados problemas contratransferenciais. Outra coisa é ser capaz de tomar todas as precauções, com total e absoluta eficiência, na medida em que se vai cada vez mais fundo em um tratamento analítico, semana após semana, mês após mês, e ano após ano, com a crescente identificação, interesse, e atenção aos pacientes e seus problemas. Por outro lado, uma excessiva atenção a reações desfavoráveis de contratransferência poderia levar o analista a defesas fixas, em virtude do que se poderia negligenciar material significativo. Todo analista experiente sabe que, ao se aprofundar em uma análise, se perde, em alguma medida, uma certa perspectiva da situação total.

Conjecturo que o desenvolvimento de estruturas neuróticas contra-transferenciais no analista, a partir de um período longo de tempo, pode ser algo como a teoria da relatividade de Einstein. Para esta teoria a luz viaja em uma linha reta, de um ponto a outro, quando as distâncias são pequenas. Porém, quando a luz viaja por distâncias gigantescas, conhecidas por nós em termos de milhões de anos luz, outros fatores previamente não compreendidos ou mesmo concebidos entram em ação. Einstein provou que na imensidão do tempo e do espaço, há desvios na linha reta dos raios de luz. Também assim, o analista, hipoteticamente formado e analisado com perfeição, deveria ser capaz de encontrar um rumo totalmente direto, que evitasse as armadilhas da contratransferência. Sua análise pessoal teria lhe ensinado a se antecipar e a evitar. Ele pode por períodos consideráveis de tempo ser de fato capaz de fazê-lo. Mas, até mesmo em circunstâncias ideais, o analista é levado a desvios no eixo de sua compreensão e de sua conduta em um caso, desvios imperceptíveis e insidiosos, produzidos como reação inconsciente a pressões e motivações veladas dos pacientes, o que constitui a essência do desenvolvimento da estrutura da contratransferências. Que possam ser excrescências bastante secundárias em relação a uma estrutura total maior, que é a situação de tratamento, é irrelevante à tese. Eu simplesmente creio que quaisquer duas pessoas, independente da circunstância, possam se fechar em uma sala, dia após dia, mês após mês, ano após ano, sem que algo aconteça a cada uma delas a respeito da outra. Talvez a mudança principal seja impossível para aquele que é afinal de contas, o alvo da terapia, sem que ao menos alguma mudança secundária aconteça com o outro, e é provavelmente sem importância ela seja racional. É provavelmente bem mais importante que a mudança secundária no outro, isto é, no terapeuta, seja aquela que é especificamente importante e necessária para aquele em que esperamos alcançar a mudança principal. As "mudanças" no terapeuta em minha visão são composições de respostas adaptativas do ego e da contratransferência inconsciente, cuja interação expande o poder integrador do ego de modo especifico para lidar com as resistências transferenciais de um paciente específico. É da natureza das resistências transferenciais que elas busquem pelos pontos mais fracos no arsenal do terapeuta.

Este enfoque, em um detalhe de um tratamento longo e envolvente, pode criar inadvertidamente uma impressão não desejo, isto é, a ilusão de que ao assunto em estudo se deve atribuir maior importância do ponto de vista quantitativo ou que ele seja qualitativamente muito diferente do conjunto de nossa experiência. A defesa do grupo analítico sobre o fenômeno de contratransferência torna necessário se acautelar contra este mal-entendido.

Não aprecio o termo "neurose de contratransferência" e não o empregaria. Porém, a analogia com a "neurose de transferência" fez com que ele se instalasse na literatura. O último, entretanto, talvez seja também um termo errôneo, em vista do que de fato acontece em uma análise. Em geral, o fenômeno de transferência é experimentado sob variadas formas ao longo de qualquer experiência analítica, tanto por paciente quanto por terapeuta. Uma neurose de transferência nítida, bem estruturada, como tal é provavelmente rara, e é justamente por isso que é menos freqüente que uma neurose de contratransferência nítida se desenvolva. A termo neurose é usado de um modo bastante impróprio em nossa literatura. É empregado como um epíteto (com a especificidade da palavra reumatismo), como um diagnóstico psiquiátrico bem-definido, ou serve para todo tipo de imaturidade, excentricidade e conflito emocional de pessoas que vêm a nós pedindo por ajuda. É fácil dizermos que suas transferências a nós dirigidas constituem outra neurose, artificialmente produzida, mas é uma questão totalmente diferente conceber que nossas próprias transferências a eles são da mesma natureza, mas, afortunadamente, numa proporção milisemal.

Reservo ao futuro o pensamento adicional quanto ao entendimento da natureza e do significando do afeto contratransferencial, ou de sua falta, em psicanálise. A conquista de mais maturidade, pessoal e grupal, deverá tornar a observação científica mais tolerável. Em certa medida isto está em curso, mas a cautela é dominante. Um artigo apresentado na Sociedade Psicanalítica de Chicago há quatro anos por Adelaide Johnson tocou tangencialmente o problema e evocou a maior contracatexia e angústia na audiência que já observei em muitos anos de reuniões psicanalíticas. Esta reação parecia desproporcional em relação a objeções válidas que poderiam ser levantadas contra o argumento do trabalho.

Se for aceita a premissa de que contratransferências deveriam ser entendidas como transferências do analista, que são normais e constantes, os afetos contratransferenciais têm teoricamente uma razão de ser no dito universal de que o verdadeiro insight só é alcançado na análise das transferências apenas acompanhado pela liberação apropriada dos afetos. Apesar de se vangloriar de que suas análises pessoais preliminares constituem um meio de remoção de pontos cegos, o fato de que o grupo analítico ainda se defenda vigorosamente, contra aplicar suas próprias operações às mesmas interpretações dinâmicas sistematicamente aplicadas a seus pacientes, é testemunho adicional do interminável no processo analítico e do poder das forças repressivas do ego.

 

II- Material Clínico

Escolhi elementos percebidos como contratransferenciais para a discussão, nas análises de quatro de meus próprios pacientes. Em três casos , afetos contratransferenciais de intensidade média tiveram um certo papel em certos períodos. Dois casos foram razoavelmente bem sucedidos, e o outro talvez poderia ter tido um resultado melhor. Creio que meu medo de envolvimentos contra-transferenciais limitou um pouco o resultado. Em um caso relativamente mal sucedido houve pouco afeto contratransferencial, uma inabilidade em tornar claro para mim mesma meu envolvimento contratransferencial, se é que houve algum, e uma comunicação afetiva superficial entre o paciente e eu. Gostaria de enfatizar que, no geral, um observador externo nada encontraria de muito discordante do habitual em qualquer dessas análises.

Selecionei material que melhor demonstra, de modo simples, alguns pontos discutidos na Parte I. Ainda, selecionei material que me permitisse estar à vontade para apresentar, sem embaraço. Na verdade, nenhum desses casos representou uma falha dolorosa. Selecionei também materiais de antigas análises clássicas, por razões óbvias. Estes pacientes pareceram ser tanto analisáveis quanto requerer uma análise completa. Não penso que as experiências que tive com esses pacientes sejam incomuns em comparação com muitos outros de meus próprios casos ou com casos vistos na supervisão de outros analistas, exceto pela contra transferência em certa medida marcadamente ou acima ou abaixo da média.

Começarei com um exemplo de uma reação contratransferencial com acting-out. Há muitos anos atrás, uma paciente, após uma reação próxima da psicose, foi encaminhada a uma "análise" com alguém sem formação, e estava furiosa por sua frustração com este terapeuta prévio. Semana após semana, mês após mês, ela se enfurecia comigo de um modo agressivo, apesar da grande paciência que tinha com ela. Suportei dela um abuso sem antecedentes com outros pacientes. Às vezes, esse abuso me irritava, mas na maioria das vezes gostava muito da paciente, e estava muito interessada em ajudá-la e de certa forma, fiquei surpresa com a minha habilidade de controlar minha irritação com ela. Finalmente, entendi que aquela atitude terapêutica desejável, representava uma complicação contratransferencial. O seguinte episódio chamou a minha atenção quanto a esse problema.

Num belo dia de primavera, saí do consultório, vinte minutos antes do horário desta paciente, com a agenda aberta sobre a mesa. Tive um almoço prazeroso, sozinha, apreciado mais que de costume, depois voltei para o escritório, a tempo para o próximo compromisso, quando me disseram que esta paciente estivera lá e se fora extremamente brava. Era óbvio que eu havia esquecido sua sessão, inconsciente e propositalmente, e de repente percebi que estava farta de seu abuso, a ponto da intolerância. A esta altura, comecei a ficar brava com minha paciente e, entre essa sessão e a seguinte, um ódio imenso surgiu contra ela. Parte deste ódio relacionei à culpa, e parte a uma certa angústia sobre como conduzir a sessão seguinte, porque esperava poder ultrapassar todos os abusos anteriores, e tinha consciência do fato de que era impossível continuar suportando aquilo. Imaginei (o que de certo era uma esperança), que a paciente terminaria o tratamento. Na sessão seguinte, me olhou com raiva e disse, de forma acusadora, "Onde você estava ontem?" Eu apenas disse, "Me desculpe, eu esqueci".Ela começou a me atacar com sua censura costumeira, dizendo saber que eu estive lá um pouco antes. Não fiz nenhum comentário, achei que o melhor era não dizer nada. Continuou por cinco ou dez minutos e de repente, parou, ficou um silêncio, e de repente, começou a rir, dizendo, "Bem, sabe, Dra. Tower, não posso dizer que a culpo".Esta foi a primeira ruptura em sua resistência obstinada. Depois desse episódio, a paciente ficou muito mais cooperativa e após uma ou duas pequenas recorrências de abuso, provavelmente para me testar, a defesa desapareceu totalmente, e passou a níveis de transferência profunda. À primeira vista, isso parece um episódio tão supérfluo que mal merece descrição. Poderia se dizer que eu estava irritada com a paciente e que perdi sua consulta por causa de sua agressividade, o que era verdade. Mas o problema contratransferencial real não era esse. Na verdade, meu acting-out era baseado na realidade e trouxe uma solução para o problema contratransferencial que era ter sido paciente com ela por tempo excessivo. Pude relacionar em detalhes esta minha tendência a certas influências de minha infância. Passei por dificuldades desta natureza em alguns períodos de meu desenvolvimento. Minha compreensão sobre isto era parcial, bem como sua resolução em minha personalidade. Essa resistência prolongada ao abuso não precisaria ter durado tanto se eu estivesse mais livre para ser mais agressiva frente a isso. A maneira pela qual reprimi minha agressividade permitiu que ela se acumulasse até um ponto em que fui forçada a "atuar", o que não foi um procedimento terapêutico inteiramente desejável. Assim, teoricamente, uma boa atitude terapêutica, aquela de infinita paciência e esforço para compreender um paciente muito problemático foi na verdade, nesta situação, uma montagem contratransferencial negativa, virtualmente uma neurose contratransferencial de curta duração, que foi sem dúvida um desperdício de tempo da paciente e se não fosse minha repentina solução, através do acting-out, teria durado muito mais. Dei a este pequeno episódio uma grande importância durante muitos anos e, assim, vim a compreender melhor seu verdadeiro significado.

Só recentemente, contudo, pude questionar se esta reação contratransferencial, com tantas implicações negativas em alguns pontos deste tratamento, não poderiam talvez ter tido implicações positivas, em outros pontos. Minha disposição pessoal poderia ter facilitado a habilidade eventual da paciente de lidar totalmente e de forma afetiva com seu problema mais altamente defendido - o aspecto passivo homoerótico da transferência – uma vez que um tipo de reação paranóica aguda foi o que a trouxe ao tratamento comigo.

No material seguinte, tento delimitar o desenvolvimento contratransferencial em duas análises que levam a uma série de comparações.

Este material provêm dos casos de dois homens, ambos negociantes bem sucedidos, de origens semelhantes, mais ou menos da minha idade, que gostavam de mim como pessoa, sentimento esse recíproco. Eram inteligentes, casados e tinham filhos; ambos fizeram longas análises. Uma análise teve sucesso, com um trabalho em níveis mais profundos na transferência, de uma intensa neurose transferencial, que resultou em grande melhora sintomática, muita maturidade e grande sucesso. Na segunda, não houve nenhuma perlaboração real da neurose transferencial, a análise foi insatisfatória, e me senti insegura quanto ao futuro do paciente. Houve melhora sintomática, e o paciente não estava tão insatisfeito, mas meu conselho foi de que procurasse uma análise com outra pessoa, o que ele fez após uma considerável resistência.

No início minha inclinação era mais favorável para o segundo paciente, que parecia altamente motivado ao tratamento, mais adequado e cujo desenvolvimento psicossexual parecia mais normal. Por outro lado, o primeiro paciente, no final melhor sucedido, era no início ambivalente, mordaz, e logo me despertou dúvidas quanto a aceitar me incumbir de seu tratamento.

Nos dois casos, os casamentos dos pais foram estáveis, e os pais eram de certa forma passivos, mas razoavelmente bem sucedidos. As mães pareciam compulsivas e os pacientes pareciam ter sofrido profundas complicações do desenvolvimento em relação a elas, talvez em menor intensidade no caso do primeiro. O curso e conteúdo de sua análise sugeriram principalmente regressão partindo do conflito edípico e, como traço dominante, tal regressão era inquestionável no segundo caso.

Ambos apresentavam problemas severos de inibição na afirmação da masculinidade com formações reativas homossexuais passivas. Tinham problemas profundos e inconscientes de uma disposição assassina sádico-oral contra a irmã; ambos desenvolveram uma sintomatologia razoavelmente séria na adolescência tardia, e apresentavam traços esquizóides. Os dois reagiram a questões homossexuais precipitando-se em casamentos com mulheres agressivas, controladoras e narcisistas. Ambas eram atraentes, compulsivas, perturbadas e tão fortemente em atitude defensiva que nenhuma das duas concordava com o tratamento, apesar dos casamentos serem conturbados. Os maridos eram devotados e esforçados em manter o casamento. As esposas se ressentiam com os tratamentos dos maridos e tentavam sabotá-los. Tive a chance de me encontrá-las, embora não tivesse buscado por isso. Não me abalei com elas, apesar de seus esforços angustiados em acabar com os tratamentos.

Nos dois casos era muito claro que eles mesmos contribuíram nas dificuldades com suas esposas, a saber, eram muito submissos, muito hostis, em certo sentido excessivamente devotados, e as mulheres eram frustradas pela falta de uma afirmação suficientemente desinibida da masculinidade. Em ambos os casos, isso foi muito trabalhado e interpretado, sem muitas mudanças.

Obviamente, isso era um problema que não poderia ser satisfatoriamente perlaborado sem uma análise completa das raízes do conflito com suas irmãs, e, ao lado disso, a raiva assassina contra a mãe, como regressão sádica-oral a partir do conflito edípico. Atravessei fases onde me colocava como protetora (devido à contra-transferência?) nos dois casos; no primeiro isso foi direcionado ao casamento e à esposa, e no segundo, a ele mesmo. Ambos me confrontaram com um material transferencial, sugerindo que eu estava sendo muito protetora e como me conscientizei disso, creio que pude corrigi-lo.

No primeiro caso, a proteção era dirigida para evitar uma perturbação secundária na esposa, que em certa ocasião foi considerada como psicótica por um psiquiatra. Desejei, na realidade, evitar uma descompensação, com todos os efeitos perturbadores sobre uma família, que um episódio desse tipo pode causar. No segundo caso, a proteção foi dirigida ao próprio paciente em situação semelhante. O próprio paciente havia sido considerado psicótico. Um exame de Rorschach feito no paciente mostrou que, em suma, se tratava de uma neurose profundamente instalada; indicava-se a análise embora se esperasse muita dificuldade no processo. Seu discurso era muito produtivo, sem material esquizofrênico. Com a energia e o dinamismo extremamente altos, a organização da personalidade era tal que nos levava a esperar que ele transbordasse desordenadamente seus afetos no mundo externo. A imaginação era limitada e havia poucas brechas para a manifestação de sua vida interior.

A sintomatologia que trouxe esses pacientes ao tratamento era semelhante: angústia difusa com alguma depressão, forte consciência de uma inibição severa, e uma certa quantidade de confusão, especialmente quanto aos papéis sexuais. Ambos, portanto, estariam classificados no quadro da neurose de angústia. O desenvolvimento psicossexual mais normal do segundo caso e meu sentimento inicial mais favorável por ele poderiam sugerir teoricamente que, se minha própria organização libidinal estava mais próxima do que se considera normal, se eu tivesse de desenvolver desvios contratransferenciais, a ocorrência seria mais provável no segundo caso que no primeiro, que de início apresentava alguns problemas psicossexuais pouco atraentes. Na verdade, o que aconteceu foi justamente o contrário.

Ambos apresentaram problemas irritantes na comunicação: resmungar, hesitar, falar com prolixidade, repetição, detalhismo. Houve vezes, em ambas análises, em que me irritei profundamente com o problema de comunicação. Só tardiamente no tratamento desses pacientes, quando se desdobraram as neuroses infantis, comecei a perceber algumas diferenças entre coisas a princípio muito semelhantes nas dificuldades de fala. No primeiro caso, tratava-se de uma resistência altamente estruturada, com o propósito oculto de destruir meu poder como analista e se de vingar de minhas atenções para outras irmãs e outros homens. Os bloqueios de fala ocultavam impulsos dirigidos ao objeto, amargos, sarcásticos e destrutivos, e desapareceram com a perlaboração do profundo problema sádico-oral na transferência. No segundo caso parecia ser a extensão do aspecto anaclítico velado de seu ego, essencialmente ligado ao caráter e destinado mais a conseguir um objeto do que destruir algum objeto frustrante, dificuldade que nunca foi substancialmente reparada. Apesar do meu longo e consciencioso esforço em ajudar este homem, acho que não houve um bom retorno, bem sucedido, em relação ao tempo e energia gastos tanto por mim quanto por ele.

Neste ponto, poderia ser feita a objeção de que já se sabe há tempos que, casos que poderiam ser classificados como neuroses transferenciais, como parecia ser o caso de nosso primeiro paciente, são muito mais acessíveis a procedimentos analíticos do que neuroses narcísicas, como era aparentemente o diagnóstico de nosso segundo paciente. Por que se deveria levar em consideração a contratransferência como um fator no sucesso final desses tratamentos? Isso é bastante verdadeiro, e ao mesmo tempo, muito simples. Foi, sem dúvida, necessário um longo tempo antes que pudesse diferenciar os dois casos claramente, e só depois de ter passado tudo isso. Por muito tempo, o primeiro paciente pareceu ser o mais narcisista. Certas delinqüências deste homem e seus problemas psicossexuais maiores me levaram a esse pensamento. E mais, não estou tentando provar que o fenômeno neurótico contratransferencial é o único ou mais importante fator envolvido no progresso terapêutico. Minha proposta é tentar demonstrar sua existência de forma mais aguda e talvez mais significativa do que geralmente lhe é concedida, oferecer evidências de que tal fenômeno pode ser de importância crucial sob certas circunstâncias, e contribuir para traçar suas origens, desenvolvimento e resolução no curso de um tratamento analítico.

Isto me leva a pontos de virada cruciais nas análises desses dois homens. Até agora, discuti situações emocionais e práticas com as quais fui confrontada, e o material de fundo que parece pertinente a uma estrutura na qual eu poderia ou não desenvolver alguma resposta contratransferencial relativamente organizada. Ambos me apresentaram um problema específico, dos quais se supõe uma potencialidade de provocar algumas respostas contratransferenciais de caráter normal, em qualquer analista mulher que estivesse, de certa forma, desprevenida. Refiro-me ao fato de serem muito amáveis, de estarem estreitamente dependentes de suas esposas, que por sua vez defensivamente ofendiam e se esforçavam em subestimar as análises, possessivas quanto a seus maridos, e deles depreciadoras de um modo requintado. Ambos agrediam muito suas esposas, o que as amedrontava, e usavam variadas formas de comportamento como compensação. Ambos seriam assim levados, mais cedo ou mais tarde, a se esforçar em jogar a analista contra as esposas, bem como eventualmente levados, finalmente, à tentativa de explorar as análises, na transferência heterossexual, em busca de qualquer gratificação que pudesse ser obtida da analista. Ambos eram, com certeza, inevitavelmente levados a ter sucesso ou falhar, até certo ponto em função dos aspectos mais profundos da solução do conflito edipídico na própria personalidade do analista. Eu estava, é claro, teoricamente consciente a respeito de tudo isso desde o início, e estava consistente e racionalmente preparada para minhas próprias reações, especialmente diante da grande quantidade de reclamações contra as esposas, bem como resguardada de me deixar influenciar e de me irritar com as respectivas esposas, com seus comportamentos subversivos em relação ao tratamento dos maridos.

O ponto de virada no primeiro caso se deu da seguinte maneira: no final do segundo ano desta análise, apesar do grande conhecimento intelectual da dificuldade do paciente, quando parecia não haver nenhuma melhora em seu casamento, no bloqueio na comunicação ou em sua dependência defensiva, a esposa do paciente desenvolveu uma doença psicossomática séria. Este fato despertou imediatamente minha atenção, refletindo se esta doença poderia se relacionar à ansiedade já apresentada de um modo que parecia pré-psicótico. Imaginava se isso não poderia ser uma abertura para ela, uma situação em que abandonaria seu comportamento de ataque e controle e se apoiaria mais no marido, sem muita ansiedade. Pensei que isto podia beneficiar o casamento. Contudo, o que percebi conscientemente deve ter permanecido separado do que eu já vinha desenvolvendo inconscientemente, como o núcleo de uma pequena reação contratransferencial para a situação em seu todo. Creio que a neurose transferencial deste homem estava vagarosa e inexoravelmente me empurrando na direção de ser com ele, em determinadas situações, a figura materna superpreocupada e superidentificada que, sem consideração com os méritos da situação, veria as coisas segundo a avaliação dele e se identificaria melhor com suas hostilidades, ao invés de ser apenas uma observadora sem nenhum envolvimento. Creio que apesar dos meus cuidados, não percebi que fui influenciada por suas pressões transferenciais no que se refere à esposa, considerando-a como um problema maior do que ela de início parecia ser. De qualquer forma, falhei em observar que ela vagarosamente havia se tornado um problema menor, pois apesar da resistência frustrante e crônica do paciente, ele estava lidando com sua situação doméstica com mais firmeza e gentileza. Não importa na questão se o paciente o escondeu de mim, ou se por razões inconscientes próprias não o enxerguei. Muito provavelmente as duas coisas eram verdadeiras. Nesse ponto da análise, as satisfações egóicas de uma melhora no funcionamento fora do tratamento foram perturbadas por impulsos libidinais frustrados, inconscientes e fortes, na neurose transferencial. Prestavam-se a tirar o máximo proveito de uma pessoa verdadeiramente interessada, percebida como maternal, além das necessidades transferenciais, como também além de qualquer potencial inconsciente que eu tivesse a oferecer com o intuito de preenchê-las.

A mãe deste homem na realidade abandonou-o emocionalmente em períodos cruciais por duas vezes na vida. Havia uma distância entre mãe e filho que nunca entendi a fundo, mas que me levou a considerar se ela não era uma mãe desconectada. Fases posteriores da análise de sua neurose transferencial descartaram isso, e revelaram por que, para ele em particular, foi talvez crucial ser literalmente capaz de minimamente me seduzir, por um desvio contratransferencial alinhado com suas defesas dependentes e hostis contra a esposa, antes de poder confiar-me suas necessidades neuróticas transferenciais mais profundas. Creio que estes são alguns dos fatores que me levaram a querer saber sobre o significado da doença psicossomática da esposa, ao passo que a contratransferência em desenvolvimento a respeito dela permanecia fora de meu campo de visão.

Cerca de um ano depois, tudo isso veio à tona. Eu havia ficado tanto ansiosa quanto frustrada com o caráter masoquista, depressivo e monótono da resistência do paciente. De repente, tive um sonho que me assustou e que me trouxe a memória do que levou a isso. O sonho foi muito simples. Em visita a casa deste paciente, encontrava lá apenas a esposa. Ela parecia contente, foi muito hospitaleira e gentil. O contexto geral da visita pareceu-se muito com o de um bate-papo de esposas amigas em uma tarde, cujos maridos eram provavelmente amigos ou colegas. O sonho me perturbou não sei por quê.

Quando comecei a pensar nisso, me dei conta de que sabia há algum tempo, mas não havia percebido, que a esposa já não estava mais interferindo no tratamento do marido. Isto aconteceu em virtude de seu melhor ajustamento, da confiança adquirida de que eu não a ameaçava, e da diminuição da inveja da relação de seu marido comigo. Lembrei-me também que quase um ano antes havia investigado o significado da doença psicossomática da esposa e tinha então esquecido. Em outras palavras, percebi que inconscientemente, de certa forma, desenvolvi uma postura rígida de muito medo de seu potencial psicótico, e tinha ignorado sua melhora. O sonho me mostrou que eu havia sido incapaz de me identificar com ela na situação de casamento, que ela de fato queria que eu fosse à sua casa, que seria muito bem-vinda uma melhor perspectiva a respeito dela. O sonho me disse que a esposa estava muito mais orientada em relação a mim do que eu tinha acreditado durante o ano anterior, e que estava na hora de olhar para a cena doméstica do ponto de vista dela.

Depois de pensar sobre tudo com muito cuidado e me sentir bastante segura e firme, entrei em ação. Escolhi analisar primeiro a ação sutil de sua parte contra a sua esposa, dentro da situação doméstica, um ponto que havia sido abandonado durante algum tempo. Fui muito direta discutindo a agressão contra ela pelo mecanismo de sua hostilidade masoquista e dependente, problema que ambos entendíamos muito melhor agora que na análise antes realizada.

Seguindo-se a isto, recoloquei em discussão, mais ativamente, suas tentativas de jogar a esposa e eu mesma, uma contra a outra, a supervalorização e a manutenção da situação ruim no casamento, com vistas a gratificações transferenciais. Tudo isto havia sido formulado previamente e de modo extensivo, sem grande efeito. É claro que havia em meu próprio inconsciente algum conflito edípico por trás de minha resposta contratransferencial, cujo retorno se dava sob a forma de uma competição sobredeterminada e no medo de outra mulher numa situação triangular.

Seguindo-se a este reparo ativo das falhas na análise, como se diz, o paciente assumiu prontamente a análise de um modo decidido. Passou de uma interminável lamúria, que já durava três anos, para um movimento decidido. Começou a me submeter a grandes pressões emocionais; reviu por conta própria todo o percurso da análise, acrescentando novos insights a respeito de experiências de vida cruciais, muito atento à reconstrução da situação infantil. Mais lembranças do início de sua vida foram recuperadas, especialmente de material referente à cena primitiva e da distância peculiarmente silenciosa entre os pais.

Seguindo-se a esse material edípico, num extensivo trabalho – porém, sem uma revivência da ansiedade de castração suficiente para me assegurar quanto a haver uma perlaboração do material - o paciente se voltou para material oral mais profundo, deslocado da irmã nascida quando ele estava com aproximadamente dois anos de idade para a irmã nascida durante o auge do período edípico. Com o aparecimento deste material surgiu pela primeira vez na análise um afeto intenso e sem reservas. Houve um longo período caracterizado por profundos sentimentos depressivos e raiva declarada, bastante limitados às sessões de análise. Com essa efusão afetiva, o bloqueio na comunicação do paciente desapareceu permanentemente. Sonhos e materiais de fantasia incluíram nesta fase quase toda forma de ataque sádico ou de indignidade concebível. Isto era, evidentemente, sadismo fálico expressado em linguagem oral. Durante este período a relação entre nós foi muito tensa. A quantidade de afeto do paciente, por si só, teria constituído um fardo severo para qualquer um que tentasse lidar com isto. Além disso, me submeteu ao mais persistente, detalhista e desconfortável julgamento, como que me fazendo em pedaços – célula por célula. Todo movimento, toda palavra minha, foram mirados tão de perto, que o mais leve movimento em falso poderia colocar tudo a perder. Porém, a ameaça não era a mim mesma. O afeto que se criou em mim era mais da seguinte ordem: se eu falhasse nesse teste, ele se quebraria, e nunca mais confiaria em outro ser humano. Em várias ocasiões tive sonhos que diretamente me anteciparam coisas que estavam por vir, como se meu próprio inconsciente viesse me prevenir do que estava por vir, e me fortalecesse para lidar com a imensidade de afeto quando surgisse.

Durante este período, as horas eram exaustivas e freqüentemente os sentimentos então gerados em mim eram um peso. Em várias ocasiões, comecei a ficar preocupada com a intensidade disso. Mas as tendências mórbidas que me rodeavam então se dispersaram de um modo repentino e incrível. Estava saindo de férias numa tarde, depois de ter visto o paciente de manhã. Isto fez, por si só, com que aumentassem em mim tanto os sentimentos sádicos quanto os depressivos colocados sobre mim. Senti-me diminuída e à beira de um ódio generalizado. A depressão e a irritação duraram horas e de repente desapareceram completamente. Nada de estranho aconteceu esta dispersão, nem fiz qualquer esforço consciente para consegui-lo. Duvido tenha ao menos pensado neste paciente, exceto muito casualmente, ao longo das férias inteiras. O fato de que isto pudesse acontecer tão espontaneamente me fez chegar à conclusão tranqüilizadora de que meus sentimentos perturbadores não fizeram com que eu fosse envolvida em qualquer problema contra-transferencial quantitativamente excessivo que se provasse com implicações desfavorecedoras, para ele ou para mim. A indicação provável era de que meu inconsciente tinha de algum modo finalmente se sintonizado o suficiente com seu inconsciente; que eu podia tolerar o afeto ligado a seus sentimentos de absoluto desespero, por causa de afetos e atitudes minhas que mesmo sem meu controle consciente, eram apropriadas às necessidades do paciente na perlaboração do problema. Conforme pensei na ocasião, parece que dois fatores importam no entendimento de minha resposta a este paciente. Por um lado, desenvolveu-se em mim, de modo passageiro, uma quantidade de masoquismo suficiente para absorver o sadismo que ele descarregava agora, e que o terrificara ao longo da vida. O outro ingrediente de minha resposta afetiva era, acredito, uma união com ele e meu apoio, por identificação, em uma verdadeira reação de luto inconsciente. Penso tratar-se de algo semelhante à "tristeza" do afeto no terapeuta, sobre o qual Adelaide Jonhson e Michael Balint escreveram. Como descarregou seu sadismo, livre de medo da perda de controle e de qualquer medo de retaliação, creio que o ego deste homem finalmente se livrou deste sadismo ligado ao superego. O afeto depressivo se tornou completamente livre da autodepreciação e da culpabilidade, e assumiu o caráter de um luto verdadeiro por um objeto de amor perdido.

Seguindo-se a isto, o paciente voltou-se à situação edípica com afeto intenso. A competição reprimida com o pai mostrou-se na transferência de um modo bastante habitual, em fantasias a respeito de homens na vida da analista, na competição com substitutos paternos, e no medo real derivado de impulsos competitivos contra estes homens, bem como em impulsos de transferência eróticos voltados para o analista. Através desse trabalho final com material edípico, o paciente encaminhou-se ao término da análise. As mudanças e melhorias na personalidade desse paciente se mantiveram durante algum tempo, e tenho a impressão de que as dificuldades da esposa são pessoais, sem influência do marido.

Curiosamente, foi só com o surgimento e a solução da minha resposta contra-transferencial à situação matrimonial, e a superação da resistência do paciente contra a comunicação, com o extravasamento de um grande peso afetivo, que comecei a ter sentimentos de admiração por este homem como uma pessoa. Não quero dizer que havia desgostado dele previamente. É precisamente aqui que acredito estarem as evidências de que neste caso a resposta contra-transferencial teve um efeito benéfico. Sou levada a pensar que só depois de seu inconsciente perceber que havia me forçado de fato a uma resposta contra-transferencial, que adquiriu confiança suficiente em seus poderes em me influenciar, e de minha disponibilidade, pelo menos em pequena parte, em ser influenciada ou dominada por ele. Foi só então que me permitiu finalmente penetrar em sua defesa masoquista, e me dar acesso ao sadismo inconsciente profundo em seu superego, o que tornou possível e necessário voltar aquele sadismo contra mim. Este sadismo maciço, derivado presumivelmente de uma depressão infantil, foi reexperimentado na situação edípica, acrescentando muito sadismo oral regressivo no sadismo fálico do conflito edípico. Não acredito que sem a experiência, percebida por seu inconsciente, de ter sido de fato capaz de em pequena medida me dobrar afetivamente para suas necessidades, este homem teria tido sucesso em ir às fontes mais profundas de sua neurose. Ser assim capaz de me dobrar conforme sua vontade, simultaneamente reparou a ferida no ego masculino, e eliminou o medo infantil de meu sadismo na transferência materna. Pareceria que finalmente alcançara uma confiança interna de que seus controles eram de fato adequados, e que eu de fato neles acreditei.

Curiosamente, seu inconsciente também percebeu que eu tinha mudado meu sentimento sobre ele. Durante este período, fez vários comentários sobre isso, sem qualquer referência a um amor sexual. Eram declarações de fato simples, e não penso que teve algum pensamento consciente sobre minha mudança. Nunca pediu qualquer confirmação, nunca indicou sentir que eu não gostava dele previamente; eram declarações simples e casuais da percepção de algo, que do ponto de seu vista era sem discussão e sem ambivalência desde sempre. Seu inconsciente tinha percebido corretamente algo que de fato se desenvolveu em mim. Na verdade, penso que é possível que qualquer perlaboração definitiva e bem sucedida em uma análise profunda e completa envolve algum desenvolvimento deste tipo. É do conhecimento de todos que há muitas análises, ou menos ou mais bem sucedidas, que são na verdade análises parciais. Muitas, claramente, nunca poderão ser senão parciais. Duvido que qualquer perlaboração completa de uma profunda neurose de transferência, no sentido mais estrito, não envolva alguma forma de levante emocional no qual paciente e analista são envolvidos. Em outras palavras, há uma neurose de transferência e uma neurose de contra-transferência correspondente (não importa quão pequena ou temporária), analisadas ambas na situação de tratamento, conduzindo a sentimentos de uma orientação substancialmente nova de um com relação ao outro.

Não sei se o episódio crucial, que me pareceu um ponto de virada no segundo caso, foi minha percepção súbita de que este homem não era analisável por mim, e a real dificuldade contra-transferencial era minha ilusão poder tratá-lo. A resistência descrita anteriormente se cronificara. Aos poucos, surgiram ganhos que, com toda honestidade, como psicoterapeuta, deveria ter sido capaz de reconhecer em sua extensão. Aos poucos, me dei conta de um tom pegajoso e sutil em atitudes do paciente com a esposa, e também comigo na análise. Isso se apoiava, entretanto, em material oral sádico manifesto e de dependência oral de um modo tão obscuro que nunca pude trazer à tona para lidar. Mesmo hoje, penso se não tratava de um derivado da inconsistência dos limites do ego deste homem. Vi-me aos poucos me simpatizando e me identificando com sua esposa, o que relacionei a princípio com minha percepção desta atitude pegajosa com ela. Fiquei também atenta a mudanças paulatinas nas atitudes da esposa. Sua interferência abrandou gradualmente, e começou a cooperar com ele quanto à análise, e finalmente se virou contra mim em desespero, porque não havia nenhuma melhora significativa em sua atitude com ela. Este paciente me cercou com suas necessidades eróticas e de dependência de mim, do modo como esse tipo de material costuma aparecer. Retrospectivamente, diria que a razão pela qual não fui tocada por isto era de que se tratava de algo não estruturado e, assim, intangível à interpretação, e no fundo, este homem não teve uma força mobilizável capaz de me dobrar à sua vontade, como fez o primeiro paciente. Creio que com nesta organização profundamente anaclítica de ego, seu potencial máximo seria me seduzir em dobrá-lo eu à minha vontade. Por conseguinte, devo ter sentido sempre que estes protestos eram supercompensatórios, incontidos, e não de verdadeira transferência.

O ponto de virada neste caso veio quando de repente e fora de qualquer previsão desenvolveu um estado depressivo esquizóide. Não tive nenhum aviso de que isto estava para acontecer, havia pouco material disponível para tentar entender isto, e antes que pudesse avaliar o que estava acontecendo, veio para uma sessão marcada às 5 horas um dia, depois de vários dias de intensa angústia e fantasias obsessivas suicidas. Ficou muito agitado, e fantasias suicidas deram passagem a uma explosão violenta de sentimentos assassinos tal, que fiquei verdadeiramente alarmada. Sentia que ele estava muito perto de uma ruptura no ego e poderia perfeitamente atirar-se pela janela, ou tomar a saída de emergência, fugindo de medo das idéias assassinas. Estávamos apenas nós dois, as secretárias já haviam saído. Disse logo e com calma que achava que ele muito transtornado para discutir problemas esta tarde, que fosse, por favor, para casa, tomasse um sedativo, tentasse achar uma distração e que voltar deveria ser a primeira coisa a ser feita na manhã seguinte, quando provavelmente estaria mais calmo. O paciente atendeu meu pedido, em um estado semelhante ao transe, e partiu. Aos poucos pude tirá-lo deste estado agudo aparentemente pré-psicótico. Depois deste episódio nunca mais tive confiança novamente em minha habilidade para fazer qualquer coisa com este homem psicanaliticamente, nem o vi mais outra vez fora do horário comercial. Finalmente, terminei sua relação comigo e providenciei seu tratamento com outra pessoa. Achei que poderia ser trabalhado por um analista homem, que pudesse ser percebido como alguém capaz de controlá-lo. Nós nos separamos com um sentimento bom e mútuo, de caráter bastante superficial. Porém, além desse grande empenho na terapia, penso que pouca comunicação de sentimento de um modo realmente profundo e mútuo (i. e., não verbal) aconteceu entre nós.

Se este homem não foi analisável por mim - ou por uma mulher - conjecturaria que a razão está em ser o defeito de seu ego masculino reparável apenas por identificação e incorporação real de um ego masculino, em uma situação de tratamento com um homem, e talvez só depois de experimentar uma intensa transferência passiva homoerótica. Aparentemente não poderia nem lhe oferecer isto, nem mobilizar qualquer afeto no material homoerótico trazido. Em contraste, o defeito no ego masculino do primeiro homem foi reparado de fato, aparentemente pela via de uma pequena vitória sobre mim na transferência. Em outras palavras, havia controles internos em seu ego que percebi inconscientemente, o que me permitiu responder sem angústia excessiva, em pouca, mas talvez crucial medida, para este homem, como mulher reagindo a um homem, ao mesmo tempo em que minha relação dominante a ele era de médico para paciente. Controles internos pareceram ausentes no segundo caso, e teriam de ser adquiridos por identificação e incorporação, antes que pudesse sobreviver afetivamente a seu sadismo subjacente, ou me mobilizar em confiar nele como mulher.

Há alguns anos atrás analisei um jovem que teve essencialmente os mesmos problemas com a mesma estrutura de personalidade que o primeiro dos dois casos discutidos, cuja análise alcançou virtualmente a mesma profundidade, com intensidade semelhante de afeto mútuo. Este caso não teve um resultado plenamente bem sucedido, e acredito que deveria ter tido. Houve complicações contratransferenciais adicionais, e não pude decidir se era um desses raros casos em que o analista deve encorajar ativamente um divórcio. Retrospectivamente, acredito que dois fatores importantes operaram em mim. Em primeiro lugar, meu incômodo com o afeto da transferência-contra-transferência bloqueou uma perlaboração deste problema. Em segundo, provavelmente me intimidaram as pressões de um analista mais velho e agressivo que tratava a esposa, francamente determinado a que este casamento tivesse êxito. Encerrei prematuramente o caso, com todas as supostamente habituais compreensões e racionalizações mútuas, que entre nós indicam o término de uma análise. Que o inconsciente do paciente percebeu corretamente o que eu havia lhe feito inconscientemente, e o porque, ficou demonstrado por alguns acting-outs, movidos pelo ódio, bastante sérios que posteriormente fez contra mim, de imediato entendidos, mas infelizmente um pouco tarde para que algo pudesse ser feito a respeito. Felizmente, este jovem iniciou outra análise depois, com outra pessoa.

Resumo e Conclusões

Este trabalho é uma tentativa de esclarecer concepções atuais de psicanalistas sobre a contratransferência e de trazer algum material clínico para a tese de que tais concepções necessitam de simplificação e de modificação, e que fenômenos de contratransferência, dinâmicos e inerentes, operam em todos os procedimentos do tratamento.

Enfatizei que a contratransferência é uma entre várias respostas do analista, de maior ou igual importância na situação de tratamento. (Empatia, concordância, intuição, compreensão intelectual e respostas ego-adaptáveis são, evidentemente, outros elementos muito significativos).

A situação de tratamento entre o paciente e analista em níveis mais profundos e não-verbais provavelmente segue o protótipo da simbiose entre mãe e criança descrita tão sensivelmente por Benedek e envolve troca libidinal ativa entre ambos, através de canais de comunicação inconsciente não-verbais. Generalizando, os pacientes realmente afetam os analistas. Nestes níveis profundos de intercâmbio, as tendências dominantes, de uso construtivo ou destrutivo da situação de tratamento pelo paciente, provavelmente derivam das relações precoces com a mãe.

Na análise bem sucedida o paciente não só revela por completo seus próprios piores impulsos, mas talvez arrebate o analista a realizar algo semelhante, em menor escala, em parte para submete-lo a uma prova, em parte para se apropriar do analista como um ser humano com limitações. Ao mesmo tempo, com o propósito de fortalecer seu próprio ego, alcança uma capacidade de lidar com as falhas do analista construtivamente, de perdoá-lo por sua agressão e por seus acting-outs contratransferencias, e estabelece uma relação libidinal adequadamente positiva e madura com ele, apesar destas imperfeições.

O termo contratransferência deveria ser reservado para transferências do analista - na situação de tratamento - e nada mais. Como tais, são sínteses do ego inconsciente do analista e, com as transferências do paciente, constituem produtos do trabalho inconsciente combinado de ambos. São múltiplos e variados em suas origens e manifestações, e mudam a cada dia e de paciente para paciente. São fenômenos normais e sua raiz está na compulsão de repetição. Tornam-se "anormais", ou talvez seja melhor dizer interferências, excessos, fixações ou estorvos, em função tanto de fatores qualitativos e quantitativos de sua síntese, como também em função da maneira pela qual repercutem na situação analítica.

Esforcei-me em explorar o conceito e as possíveis funções de uma neurose de contratransferência como tal. Há evidências de que formações estruturadas podem ocorrer mais constantemente que o geralmente suposto e podem exercer funções úteis sob certas circunstâncias. Esta utilidade pode ser um fenômeno mais ou menos temporário, e a natureza da estrutura em si mesma deriva de sua origem. Por outro lado, a descoberta do fenômeno, sua análise e resolução pelo analista podem ser úteis a sua compreensão emocional mais profunda da neurose de transferência.

Creio que em toda situação onde, entre paciente e terapeuta, se desenvolve algo mais que uma relação superficial, o que é inevitável em procedimentos analíticos verdadeiramente profundos, há muitas reações de contratransferência e se desenvolve algo da natureza de uma neurose de contratransferência que, não importando sua magnitude, pode ser de grande significado no curso do tratamento, como um catalisador. Por definição, um catalisador é uma substância habitualmente inerte, que em determinado ambiente acelera ou desacelera um processo químico. Não me parece muito irreal considerar a existência de um fenômeno semelhante nesses níveis profundos de relação interpessoal, encontrado no processo de tratamento psicanalítico.

O estudo científico do inconsciente do psicanalista em situação de tratamento deveria melhorar nossa eficiência terapêutica e promover uma base científica sólida na avaliação de técnicas de tratamento. Tal estudo iluminaria igualmente o que é defensivo e reativo na parte do terapeuta, e o que é cientificamente e demonstravelmente construtivo.

Notas

Publicado en "The Journal of the American Psycho-Analytic Association", 1956, vol IV

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Revista de Psicoanálisis y Cultura
Número 19 - Julio 2004
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