Acheronta  - Revista de Psicoanálisis y Cultura
A importancia da topología na clínica da histeria
O problema da intedificação
Christian Ingo lenz Dunker

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Resumo

O objetivo do trabalho é examinar os problemas e motivos que levam Lacan recorrer ao campo da topologia como forma de pensar o tema da identificação em psicanálise. A idéia é situar os desenvolvimentos de Lacan acerca do sujeito, do desejo e da demanda, no Seminário sobre a Identificação procurando extrair conseqüências para o uso da topologia em psicanálise. Discute-se três usos possíveis: o uso como formalização de conceitos, o uso como exemplo intuitivo de conceitos e o uso poiético. Entende-se que esta terceira forma de emprego da topologia, apesar de ser a que melhor especifica a topologia como instrumento de produção de propriedades clínicas de um conceito mais se afasta das exigências epistemológicas da metapsicologia freudiana. Em seguida utiliza-se o produto de tais considerações para analisar o problema da identificação na histeria, particularmente a importância da distinção entre traço unário e significante.

Palavras Chaves: psicanálise, topologia, epistemologia

 

 

1. Introdução:

O objetivo desta comunicação é examinar os motivos que levam Lacan utilizar, crescentemente, a topologia como referência para a investigação psicanalítica. Subseqüentemente nos interessa verificar o estatuto desta utilização, ou seja, menos que um desenvolvimento do conteúdo das teses de extração topológica em Lacan o presente trabalho se orienta para o exame das implicações de método e para os problemas metapsicológicos e epistemológicos envolvidos no uso da topologia.

É freqüente nos deparamos com o argumento de que a topologia é utilizada, por Lacan, como instrumento de formalização. A formalização seria, por sua vez, exigência metodológica de um projeto mais vasto, qual seja, o de tornar a experiência psicanalítica transmissível e admissível do campo do debate científico. Aqui se verificaria uma ampliação do âmbito epistemológico da psicanálise. Em Freud tal âmbito restringia-se à exposição dos conceitos (Grundbegriffe ), no quadro de uma reaferência e transformação dos mesmos pela experiência clínica. A condição desta exposição do conceito tem por exigência genérica, em Freud, um critério de dupla não contradição, ou seja:

(1) um conceito não deve conter uma contradição à experiência, mas a experiência deve pode afetar o conceito a ponto de transformá-lo, logo o conceito metapsicológico possui uma historicidade e uma abertura que o distingue, por exemplo, do conceito na metafísica.

(2) um conceito não deve redundar em contradição interna, ou seja, os seus diferentes modos de apreensão, tópico, dinâmico e econômico devem ser coerentes.

Seria possível verificar a aplicação de tais critérios no uso da topologia por Lacan ? Seria a topologia uma forma de substituir a conceitografia, de modo similar ao programa que Frege almejava para a relação entre lógica e aritmética ? Neste caso o uso da topologia deve ser compreendido em um esforço mais amplo de tornar a teoria psicanalítica um sistema. Por sistema, neste contexto, entende-se um conjunto de axiomas que uma vez estabelecidos permite verificar a validade de todas as proposições em seu interior.

Convém lembrar que o esforço de Frege, e no geral, a grande reformulação histórica iniciada na lógica ao final do século XIX, decorre de uma crise de fundamentação reconhecida no interior da matemática. Tal crise, em suas extensas efrações e inúmeros desdobramentos, pode ser localizada como decorrente um problema que se torna incontornável e inadiável para a lógica. No final do século XIX fica claro, pela primeira vez na história desta disciplina, que conceitos primitivos como número, conjunto, ordem, demonstração, verdade ou espaço admitiam tratamentos alternativos.

Portanto é uma crise de fundamento, realizada na incerteza sobre conceitos primitivos. É portanto uma incerteza quanto ao conceito o que leva aos projetos de refundação da lógica: o logicismo de Frege, o formalismo e o intuicionismo de Poincaré.

Uma segunda possibilidade seria ver na topologia uma forma de esquematização do conceito. Neste caso o método topológico não substitui o método baseado na conceitografia, mas permite que certas propriedades de um conceito sejam mais bem explicitadas. Aqui a função da topologia é similar à da poesia e coextensivamente à da arte em geral, isto é, ela nos permite realizar melhor certas relações subsumidas pelo conceito, ou seja, ela representa estas relações.

Nas duas alternativas anteriores a topologia funciona como uma espécie de redescrição do conceito assim como o conceito seria uma espécie de redescrição da experiência. Ela nada cria, apenas reduz, esquematiza, sintetiza. Além disso, nos dois usos acima sugeridos a topologia pressupõe o conceito, não o descarta. Em ambos os casos o uso da topologia afina-se a um avanço epistemológico, de rigor, precisão e sistematização próprio ao campo da ciência e da transmissão.

Ocorre que um termo crucial acabou por se introduzir em nossa questão, qual seja, o termo representação. A topologia poderia ser considerada como uma poderosa forma de representar os conceitos ou de ilustrá-los intuitivamente em imagem. Mas é exatamente a desconfiança na representação e na intuitividade dos conceitos geométricos o que leva ao desenvolvimento da topologia em associação à descoberta da alternatividade de tratamento para a noção de espaço. No final do século XIX, conjectura-se esta alternatividade das representações do espaço: espaço euclidiano, espaço hiperbólico (Booleano) e espaço elíptico.

 

2. Análise de um caso modelo: a identificação

Na vigésima lição do seminário sobre a identificação2 Lacan lança uma hipótese que implicará um programa de trabalho:

"Será que um significante, em sua essência mais radical, não pode ser concebido s enão como corte em uma superfície ?"

Parte-se do corte para deduzir as superfícies e não o contrário. A superfície seria uma espécie de efeito de organização decorrente da forma como se realiza o buraco ou o corte estruturante de uma região. É importante reter isso todos os seis objetos topológicos analisados por Lacan são dedutíveis do corte, mais precisamente, dos vetores que dão ao corte uma orientação específica:

  1. a borda se fecha sobre si mesma
  2. o toro
  3. banda de Moebius
  4. o furo
  5. o toro de Klein
  6. o Cross Cap

A partir dessas diferenças de orientação e da tese da estrutura topológica do significante inúmeras relações podem ser feitas. Cada propriedade articulatória do significante possuiria, em tese, um correlato topológico. O desejo, o sintoma, o sujeito, o fantasma, enfim toda a conceitografia posta na forma lingüística pode ser retranscrita à forma topológica.

Há inúmeros trabalhos dedicados a explicitar as implicações demonstrativas e suposições matemáticas contidas nos objetos topológicos em questão. Mas em todos os casos parte-se do conceito e dele chega-se ao objeto topológico, para daí voltar ao conceito. Assim:

O é utilizado para simbolizar a dialética da demanda e do desejo. Acompanha-se então a formação de dois toros articulados, considerando-se um dos toros como o sujeito e o Outro como o Outro. Os círculos plenos representam as voltas da demanda, os círculos vazios o contorno do objeto metonímico do desejo. Após uma volta completa haverá a formação de uma volta incontada (-1). Este incontado (-1) é associável à noção de traço unário, fundamento de toda identificação e cláusula vazia da identidade do sujeito. Decorre disso a idéia de que a demanda do sujeito corresponde ao objeto a no Outro, e o objeto a no sujeito torna-se a demanda no Outro. Esta articulação caracteriza a relação neurótica com o Outro. Para o obsessivo a ênfase é colocada na demanda do Outro assim como para a histérica a ênfase residirá no objeto do Outro. Em ambos os casos o argumento permite demonstrar a idéia de que o objeto a é não especularizável a partir da propriedade da não reversibilidade dos toros3. Em ambos os casos, ilustra-se porque o neurótico tende, por estrutura, a localizar o objeto a. na imagem especular do semelhante i(a).

Poderíamos prosseguir detalhando estas associações entre conceitos e formas ou propriedades topológicas. Mas por mais que se estenda o discurso para o lado da explicitação das implicações matemáticas, algébricas ou mesmo lógicas dos movimentos topológicos envolvidos, ou para o lado da conceitografia psicanalítica, o uso da topologia permanece sempre e necessariamente prisioneiro desta relação representativa entre um e outro.

Poderíamos imaginar o seguinte experimento: de um lado colocamos o conjunto dos conceitos, noções ou mesmo constructos teóricos da psicanálise, de outro lado elencamos um conjunto de propriedades, objetos, relações e procedimentos topológicos. Ao final o que encontramos é sempre uma relação de representação entre o elemento de um conjunto no outro. Tais associações são resolutamente úteis como esquemas para melhor intuir certas relações. Não são modelos, nem generalizações empíricas mas redescrições. Isso representa um ganho em termos de economia expositiva, convencionalidade e elegância para a transmissão de conceitos. Uma vez transpostos em sua forma topológica conceitos como os de sujeito (Banda de Moebius), o desejo (toro) e o fantasma (toro de Klein) podem ser reduzidos a relações que nem sempre podemos por em imagem. Na verdade este caráter de representar o que não pode ser posto em imagem parece um ganho para a realização do conceito. Portanto nossas duas hipóteses sobre o uso da topologia por Lacan são defensáveis no caso da identificação.

Ocorre que se prestamos atenção ao pequeno fragmento de associações que foi colocado em pauta à guisa de exemplo surge um terceiro tipo de uso para a topologia que não estava estipulado em minhas hipóteses preliminares. Trata-se de um uso poiético ou criativo da topologia. Ou seja, em várias ocasiões - e a noção de demanda e desejo é um bom exemplo disso – a formalização topológica leva à introdução de propriedades em um conceito. A idéia de que o objeto a é um objeto não especularizável decorre, eminentemente, disso. Essa é uma propriedade que na pertencia ao conceito de objeto a antes de sua redescrição topológica.

Fica então um problema. Se a topologia é capaz de criar, prescrever ou introduzir aspectos novos como refazer seu trajeto de reconexão com a clínica uma vez que este trajeto é mediado pelos conceitos ? Não estaríamos aqui traindo a inspiração metapsicológica freudiana e nos expondo, sem critério de limitação, a um típico procedimento metafísico ?

 

3. Rastro, Traço e Significante

O desenvolvimento da noção de traço unário (einziger zug), no interior do Seminário sobre a Identificação, pode ser entendido como um esforço de Lacan em três frentes distintas. Temos primeiramente a tentativa de articular uma teoria do sujeito inteiramente dedutível da noção de significante. Para isso foi necessário empreender uma espécie de gênese lógica do significante, em outras palavras como afinal o significante se constitui. Em decorrência deste duplo problema vemos, especialmente a partir da lição IX, a introdução de uma novidade metodológica, a saber o recurso à topologia.

A estratégia de Lacan, no que diz respeito a esta gênese lógica do significante, implica em pensar cada etapa da formação do significante em associação a uma vicissitude da identificação e cada etapa da identificação como uma operação lógica do sujeito. Mas por que Lacan teria retornado ao problema da identificação neste momento de seu ensino? A resposta só pode ser encontrada pela análise desta seqüência de seminários que abordam sucessivos temas clínicos entre 1960 e 1964 ou seja, transferência, identificação e angústia. Penso que estes três seminários compõem um bloco relativamente homogêneo dentro do ensino de Lacan e que tem por problema central resolver a aporia criada a partir da primeira teoria da constituição do sujeito. Sucintamente podemos dizer que esta aporia decorre da percepção crescente de que a constituição do sujeito, pensada a partir da dialética do desejo e do estádio do espelho, não é totalmente compatível com os desenvolvimentos em torno da noção de significante. Isso se reduz a um problema relativamente simples: como o plano especular, formativo do eu e da alienação primordial do sujeito pode se articular ao plano do significante e mais extensivamente, à linguagem? Como justificar, teoricamente, esta passagem sem ter que apelar para uma espécie de salto transcendental entre as imagens e as palavras? Como vimos anteriormente, é pelo recurso á topologia que este problema será contornado.

Vários elementos pressionam por uma solução para este problema, situemos alguns:

(1) A criança nasce imersa na linguagem, a estrutura precede o sujeito, o simbólico antecede o imaginário, no entanto a criança não nasce falando, ela deve se apossar da linguagem na mesma medida em que a linguagem dela se apossa e subordina. Mas como explicar esta intrusão do significante?

(2) Podemos explicar perfeitamente a tese freudiana de que o inconsciente é um aparelho de memória recorrendo à noção de cadeia significante, no entanto como incluir neste trajeto afirmações como a de que há no inconsciente representação coisa, ou de que os traços mnêmicos, constitutivos do inconsciente, são visuais e não acústicos?

(3) Ora, a releitura da teoria freudiana do narcisismo, nos termos do estádio do espelho, acaba carregando dentro de si a primazia de uma metáfora visual. Isso deveria nos levar ao desenvolvimento de uma teoria da percepção, alternativa francamente descartada por Lacan.

É no contexto de indagações como estas que Lacan se verá lançado em uma reconstrução da teoria do narcisismo procurando encontrar um fundamento não especular e lingüístico, para o próprio campo da especularidade, ou seja um fundamento simbólico para o imaginário. Ressalte-se então a escolha do tema da identificação, ou seja, a "forma mais primitiva de laço afetivo com o objeto" segundo a definição freudiana. A teoria da identificação, predominante em Lacan até este momento toma por modelo a identificação histérica, ou seja uma identificação com a totalidade de uma situação, uma identificação com o desejo. Ora esta abordagem permite passar facilmente da totalidade de uma situação, para a totalidade das situações, ou seja, o campo do Outro como lugar da linguagem e discurso do inconsciente. Mas o termo "lugar" neste contexto parece designar tanto lugar de linguagem como lugar topologicamente considerado. Ocorre que isso deixa em aberto as duas formas anteriores de identificação: a identificação primitiva e a identificação regressiva. A tese de que a regressão é regressão aos significantes de uma demanda prescrita contorna relativamente bem o segundo caso. Quando ao primeiro teríamos ainda de recorrer a um pressuposto nitidamente aversivo para Lacan, qual seja, o da existência de um estado inicial indiferenciado onde mãe e criança formariam uma unidade (Einheit). Unidade precária, instável, dependente do olhar do outro, mas, ainda assim unidade. Unidade cujo referente é o estado de apaixonamento (Verlibtheit), de fascinação regressiva verificada nos fenômenos de massa e também no hipnotismo.

Diante deste problema vemos surgir uma solução absolutamente engenhosa. Lacan começa sobrevalorizando uma expressão de pouco peso no texto de Freud, qual seja a de que o primeiro e o segundo tipo de identificação (a primordial e a regressiva) não se dão com a situação global, como a identificação histérica, mas com "um único traço unário (einziger zug) do objeto". A idéia de traço vem realmente a calhar, ela marca sua insistência em outros momentos metapsicologicamente relevantes, como por exemplo a Carta 52, além disso o traço é pensável tanto em termos de linguagem quanto em termos espaciais. Passemos então a esta arqueologia do significante.

Em primeiro lugar há a operação de rastro. O rastro é "o que o objeto deixa enquanto ele se vai"4. Ele indica algo que não está lá. É o signo de uma ausência, como as pegadas de Sexta feira. Mas se o rastro é um primeiro nível de negação da coisa, seu atributo característico é que ele pode ser apagado ou anulado.

Mas um rastro que é negado materialmente não é mais um rastro, mas torna-se um traço ou uma letra. Dois exemplos, a rasura que corta uma palavra ou as marcas entalhadas em um osso, ou em qualquer outra superfície que lhe dê suporte: a pele, o papel, a tela. O traço é, finalmente equiparável a uma forma material compatível com a representação coisa e com a idéia de traço mnêmico visual.

Em um terceiro tempo temos a negação do traço operada pela barra, aqui sim congruente com o recalcamento propriamente dito. Chegamos então ao significante. Este herdará, do traço três propriedades fundamentais: a repetição, sua estrutura posicional e seu caráter diferencial. No entanto, em oposição ao traço, o significante jamais poderá ser apagado, ele é volátil não fixo como o traço. Mas a característica mais instigante que separa o traço do significante é que eles remontam a estruturas diferentes de linguagem. O traço se articula pela estrutura da escrita, o significante se articula pela estrutura da língua.

Vemos assim como Lacan encontra algo, no domínio da linguagem e ao mesmo tempo dotado de espacialidade topológica, capaz de sustentar uma fixação baseada na "identidade de percepção" e ao mesmo tempo não redutível a especularidade. Aqui há uma revolução silenciosa de grandes implicações cínicas: estrutura da escrita e estrutura da linguagem não são a mesma coisa. Fica então justificada teoricamente, uma antiga metáfora empregada por Lacan para definir a própria clínica psicanalítica: um exercício de escuta sim, mas também um exercício de leitura. Coloco então minha pergunta: quais as implicações clínicas da tese de que o traço em geral e o traço unário em particular são passíveis de leitura pelo analista, especificamente no que toca ao tratamento das identificações ?

 

4. Clínica da Identificação

Comecemos por separar um aspecto que por vezes levante algum embaraço clínico. A identificação com o traço único do objeto é bem exemplificada pela formação do sintoma histérico. Neste caso se trata da substituição de uma escolha de objeto por uma identificação que toma a via regressiva. É o caso da tosse de Dora: em vez de sustentar uma escolha amorosa ela retoma aquilo que a liga ao pai pela via deste traço "a tosse" que o representa. Por esta via, ela se transforma no objeto perdido. Daí a imensa utilidade da noção para pensar o tema da melancolia.

Mas, curiosamente, não se trata então, na formação de sintoma histérico de identificação histérica. Se há identificação histérica em Dora, esta se passa em relação á Sra. K. e não em relação ao pai. Vemos aqui uma primeira regularidade clínica interessante. É comum verificarmos, nos casos de histeria, uma certa pendularidade entre a formação de novos sintomas histéricos e a problematização de novas identificações histéricas. No desenvolvimento do tratamento tudo se passa como se a cada solução ou deslocamento de legítimos sintomas encontrássemos um período subseqüente dominado pela aparição ou intensificação de novas identificações. Uma espécie de oscilação entre sintomas "nativos" e sintomas "importados".

Como se sabe a identificação histérica facilmente captura sintomas disponíveis no campo do outro, particularmente no campo do outro feminino. É o caso do famoso exemplo da epidemia da decepção amorosa no pensionato de meninas, mencionado por Freud. Mas este tipo de sintoma, geralmente transitório, é altamente responsivo à localização do significante que suporta tal identificação, geralmente o significante fálico. Neste caso a escuta, entendida aqui como pontuação, é suficiente para deslocar o sujeito daquela identificação específica. O problema é que o trabalho extensivo sobre este tipo de sintoma, que por sua responsividade torna-se fácil escolha na direção do tratamento, acaba por fazer sucumbir o sujeito em novos, e agora "verdadeiros", sintomas histéricos. É o que pude notar em certos analisantes que vem de trajetórias psicoterapêuticas que precedem a vinda para a análise.

O mesmo já não se pode dizer do legítimo sintoma histérico. Neste caso a reconstrução da estrutura metafórica do sintoma, de suas cadeias identificatórias que lhe conferem uma envoltura formal e dos significantes que lhe estruturam é um movimento preparatório para sua solução. Quero sugerir que nesta circunstância se trata também de isolar o traço unário que faz a escrita do sintoma. Vê-se assim como a topologia, implicada na escrita, e o identificação, implicada no significante levam a dois aspectos distintos do mesmo problema clínico. Isso está presente, por exemplo, na idéia de que é possível um significante no real, ou seja, um significante no lugar real. Essa, parece-me ser, a designação que Lacan confere ao traço unário, por exemplo, nos seminário III e IV. Isso pode ser apontado fenomenologicamente pelo esgotamento da significação do sintoma. Ou seja, o traço, como elemento legível, deve mostrar ao sujeito o suporte insensato de seu sintoma. Mais tarde aqui será tematizada a noção de gozo, mas ela não é absolutamente necessária para entendermos como o que se encontra na raiz do sintoma deve, necessariamente, resistir ao movimento tradutivo da significação, mas também ao movimento de insistência significante. Trata-se de transliteração, ou seja, passar de um regime de linguagem (a língua) a outro regime de linguagem (a escrita). Atenção, é este movimento o aspecto crucial da operação, não a nomeação do traço unário. Este não pode ser nomeado, pois é pura diferença. Sempre, e apenas neste nível, podemos ver aquilo que é mais particularmente constitutivo do estilo de um sujeito na criatividade de seu sintoma.

Podemos agora comparar os dois termos desta oscilação dos sintomas na histeria. Os sintomas por identificação ao significante são coletivizantes, fazem laço social e suportam a identidade do sujeito como um sistema de inclusões. Eles são sintomas cujo fundamento é a unificação com o outro. Neles o que separa une.

Os sintomas por identificação ao traço, ao contrário, são singularizantes, marcam a separação do sujeito em relação ao outro. Eles operam uma exclusão do campo do Outro, o que é metapsicologicamente compreensível, pois o traço não pertence ao campo do Outro, rigorosamente falando. Neles o que une separa.

Nos dois casos o sujeito padece de um "erro de conta", no primeiro ele deixa de se contar, pois se conta no outro, no segundo ele deixa-se de se contar pois sua identificação o conta como - 1, no plano do significante.

Notas

2 Lacan, J. – O Seminário, livro X - A Identificação, aula de 16/05/1962.

3 Ou seja a figura deste par de toros não pode ser superposta à sua própria imagem no espelho.

4 Lacan, J. – Seminário IV, p. 281.

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Revista de Psicoanálisis y Cultura
Número 18 - Diciembre 2003
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