Acheronta  - Revista de Psicoanálisis y Cultura
Potencialidade do inconsciente e eficacia da psicanálise
Javert Rodrigues

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Palavras-chaves:

Psicanálise - Inconsciente - Campo do simbólico - Real - Signo lingüístico - Cena traumática - Decifração - Ato.

Demonstra que o trabalho psicanalítico vai além do campo do simbólico e que a eficácia da psicanálise depende do manejo e da posição assumida pelo analista face ao registro do Real.

Introdução

Este trabalho foi apresentado em uma das sessões plenárias do XII IFPS INTERNATIONAL FORUM OF PSYCHOANALYSIS, realizado em maio de 2002, em Oslo, Noruega onde participavam mais de 300 psicanalistas de diversos países. A particularidade deste trabalho decorre do fato de ter sido escrito e apresentado para uma comunidade de analistas que não dispunham de conhecimento e de circulação no universo teórico-prático lacaniano, daí a necessidade de clareza na utilização dos conceitos, de forma a manejar as posições de resistência e criar um espaço de transmissão dos desenvolvimentos estabelecidos por Lacan.

 

Psicanalistas de diferentes escolas de psicanálise concordam que o conceito de Inconsciente é, sem sombra de dúvida; um conceito fundamental na ordenação das bases teórica e práticas da Psicanálise. Apesar deste unânime reconhecimento quedamos surpresos quando constatamos os diferentes significados atribuídos ao conceito no multifacetado território da Psicanálise.

Freud, também, no decorrer de sua extensa obra, demonstrou ambivalência na conceitualização do Inconsciente. Por um lado estabeleceu que o conceito de Inconsciente é uma daquelas três feridas narcísicas impostas ao orgulho do ser humano por provocar o descentramento do sujeito, antes suposto imerso no registro da Consciência, ao afirmar que o ego tinha a ilusão de controlar e determinar a vida do homem e que este "não era senhor em sua própria casa".

A conseqüência imediata disto é que o sujeito decorre e se estrutura do interjogo dos processos de identificação, e, então, a subjetividade não deve ser procurada no sujeito empírico, mas sim no mundo do Outro, no universo da Cultura.

Conclui-se disto que o sujeito psicanalítico não é seu próprio fundador e tampouco é autônomo, ilusão esta que fica desfeita também no campo da chamada teoria do "Ego autônomo", tão cara a certas linhas de pensamento anglo-saxônico.

Mas, por outro lado, Freud sempre foi leal ao espírito do Aufklãrung, e segundo Laplanche, a revolução Copérnica de Freud por vezes se retraía e voltava a procurar abrigo no recentramento Ptolomeico. Recaía, por assim dizer, na tentativa de domesticar o Inconsciente sob a dominância do Ego. Sua famosa e controversa frase "WO ES WAR, SOLL ICH WERDEN" e suas diferentes leituras servem de marco neste território dividido.

Esta frase foi traduzida para a língua inglesa por Strachey como:Where the Id was, the Ego shall be, ponto de partida para o desenvolvimento da corrente da "Psicologia do Ego", que floresceu intensamente nos países anglo-saxões.

Lacan, sempre crítico dessa postura teórica de centramento do ego, afirmava que ela era "um desvio teórico de uma prática baseada na ideologia de um Ego autônomo". Sua leitura mais consistente dizia que não era o Ego que ocuparia o lugar do Id, mas, sim, que onde o Id era, o Eu deve advir, ou melhor dito, onde o Id era, o Sujeito deve advir, o Sujeito do Inconsciente. Lacan denunciava a miragem da mestria da Consciência sobre o aparelho psíquico.

Estas diferentes abordagens resultaram em diferenças irreconciliáveis no desenvolvimento do campo do Inconsciente:

Para determinados grupos de psicanalistas, o Inconsciente não muda, não é alterado nem pelo tempo nem pelo espaço, não importando a localização geográfica ou o momento histórico.

Para outros o Inconsciente não é sempre o mesmo, e ele sofre as influências do tempo e da Cultura.

Diferenças decorrem também devido a diferentes interpretações das idéias de Freud, muitas delas baseadas em modelos da física, química, biologia e neurofisiologia vigentes na ciência de sua época. Daí, muitos priorizarem os aspectos positivistas presentes nos escritos de Freud, pois como bem sabemos, Freud nunca abdicou do desejo de inscrever a Psicanálise no campo das ciências naturais. A abordagem biológica da Psicanálise leva à visão do Inconsciente como um campo estruturado de forças onde conflitos, barreiras, repressão, liberação de energias estariam sempre em ação.

Há outros como Lacan, que pensam o Inconsciente estruturado como uma linguagem, a partir dos desenvolvimentos dos Lingüísticos feitos por Saussure e dos avanços da Etnologia alcançados por Lévy-Strauss. Para esses autores, o Inconsciente não é da natureza do caótico, nem o impensável nem o lugar do mistério. Tampouco é o Inconsciente uma coisa, algo substantivável. Freud dizia : "O inconsciente pensa..." Lacan acrescentou: "Estes pensamentos são formados originalmente por uma teia de oposições significantes".

Lacan demonstrou que a função significante é devida à oposição dos significantes e que essas oposições são sustentadas pela oposição percebida no mundo natural: dia-noite, alto-baixo, quente-frio, macho-fêmea, etc.

O conceito de significante é fundamental para compreendermos a tese do Inconsciente estruturado como linguagem. Saussure demonstrou o conceito de significante tomando a palavra árvore e referindo-se a ela como um signo lingüístico. Na tentativa de evitar influências imaginárias que a palavra árvore pudesse suscitar, ele empregou o nome latino arbor, para enfatizar que se trata apenas de um som: arbor. Quando alguém diz arbor, nós nos tornamos capazes de apreender o que esse som significa. Toda palavra (signo lingüístico) tem o seu som. Esse som é denominado imagem acústica e tem o seu conceito. Quando dizemos "árvore" nós temos este som e o conceito de uma árvore. A significação desse som é a coisa designada por esse som. A imagem acústica, o som desvinculado de sua significação, aquém e além do conceito que o representa, é o que denominamos de significante.

Lacan operou uma inversão na relação estabelecida por Saussure:

  Saussure Lacan
  Significado Significante
Arbor Significante Significado

Justifica-se tal operação pelo fato de o Inconsciente estar muito mais interessado nos significantes do que nos significados, pois o próprio inconsciente é constituído pelas cadeias significantes.

Lacan também discorda de Saussure acerca da unidade estabelecida pela relação Significado/Significante que é a cadeia significante a responsável pela produção de significação.

Saussure Lacan
Arbol Hombre Mujer

Saussure dá importância ao significado. Lacan utiliza um exemplo no qual nos mostra duas portas idênticas no espaço do significado e dois diferentes significantes: Homem e Mulher. Ele nos diz que é a oposição dos significantes que fará a diferenciação dos significados.

Tomemos, agora, o exemplo abaixo como tentativa de mostrar como opera a criação de significação a partir do efeito do corte do último significante de uma frase. Esse efeito seria mais bem ilustrado se a leitura fosse feita por uma mulher, e veremos com o desenrolar da leitura, vai suscitar um clima sexual.

Ai, meu bem assim não podemos continuar vivendo!
Ai, meu bem assim não podemos continuar
Ai, meu bem assim não podemos
Ai, meu bem assim não
Ai, meu bem assim
Ai, meu bem
Ai, meu
Ai

A descoberta de Freud foi no sentido de revelar que os sonhos, os sintomas, os lapsos na fala pertencem à ordem do chiste, porque eles operam muito mais no campo dos significantes do que no campo do significado.

O significante é sem dúvida muito mais importante que o significado para o trabalho analítico. Todo processo de psicanálise é uma experiência de significação, isto é, dar novos significados a significantes, eventos e coisas que ocorreram na vida do sujeito bem como verificar a não significação de significantes, acontecimentos, etc.

Se formos capazes de escutar cuidadosamente o discurso do paciente num processo analítico, teremos a possibilidade de determinarmos a importância de certos significantes que funcionam como um balizamento de sua história. Denominamo-los de significantes mestres (ou significantes chefes). Esses significantes são como bandeiras com uma inscrição simbólica que dão a direção e guiam o paciente no trilhamento de suas existências, limitando por sua vez sua potencialidade e estreitando seu campo de decisões e escolhas.

Se aceitamos a hipótese de O Inconsciente estruturado como uma linguagem estamos afirmando destarte que o Inconsciente não é substantivável, que não é uma coisa ou um lugar.

Dizer que uma representação pertence ao Inconsciente significa que suas leis e sintaxe são totalmente diferentes daquelas da Consciência. Uma representação inconsciente coexiste com a contradição de que também não há lugar para a negação. Aqui reina o processo primário com seus dois principais meios de funcionamento: deslocamento e condensação.

Freud nos ensinou que no vacilar do discurso consciente é que vamos encontrar os caminhos para o Inconsciente bem como nos sonhos, nos lapsos, nos atos falhos e nos sintomas. Caminhos que nos desvelam um outro sujeito antes desconhecido da Consciência que então irrompe e impõe seu discurso sobre o ser falante. Por isso podemos dizer que o Inconsciente é o discurso do Outro. É esta capacidade de irrupção sem nenhum aviso prévio que demonstra a infindável potencialidade do Inconsciente.

Estas manifestações psíquicas, durante uma análise, são dirigidas a um analista devido ao fenômeno da transferência. Transferência aqui deve ser entendida como a questão dirigida ao analista "suposto saber" acerca da significação das manifestações inconscientes do paciente. Podemos dizer que o processo analítico começa numa fraude. O analista nada sabe acerca desse analisante mas guarda para si mesmo esta verdade e não recusa a crença manifestada pelo paciente de que ele seria aquele que saberia a priori a significação dos sintomas com os quais se apresenta.

O analista vai demandar a seu paciente que faça uso da "livre associação" e estimulá-lo a tudo dizer, sem restrição de qualquer ordem sobre tudo que lhe venha à mente. Sabemos de antemão que estamos lhe fazendo uma demanda impossível de ser atendida, pois o discurso do Inconsciente é sobredeterminado por sua própria estrutura, e nada lhe é tão estranho como esta "livre associação".

No entanto, este processo é a chave que torna acessível clarificar o desejo que subjaz às chamadas "formações do inconsciente".

Vejamos um exemplo clínico:

Maria era uma mulher de 40 anos quando decidiu procurar uma análise. Era uma pessoa de nível de educação superior mas havia se limitado a ser uma submissa dona de casa frente a um marido dominante e agressivo. Tudo nela estampava sinais de depressão, baixa estima e timidez. Era uma mulher bonita mas parecia procurar esconder-se sob uma aparência descuidada e sem dar atenção aos seus atributos femininos. Suas queixas eram principalmente a de sentir-se incapaz de lidar com sua existência, de tomar conta de sua casa, dos filhos e mesmo do marido. Auto-avaliava-se como alguém sem qualidades e sem coragem para enfrentar as vicissitudes da vida. Sempre ansiosa e angustiada frente a situações que implicassem necessidade de tomada de decisões e assunção de responsabilidades.

Na medida em que ia contando a história de sua vida, era fácil constatar as contradições que envolviam os fatos reais e seu posicionamento inferiorizado frente aos mesmos. Por exemplo: seu sentimento de menos-valia contratava com o brilhante desempenho escolar que sempre demonstrou.

Muitos de seus colegas tentavam aproximar-se dela mas a paciente relata que sempre conseguia uma maneira de driblar estes pretendentes .

Ela terminou seus estudos com excepcional desempenho, inclusive com premiação e reconhecimento da comunidade escolar, mas surpreendentemente fracassou em suas parcas tentativas de se inscrever no campo de atividades profissionais. Era dotada de uma certeza acerca de sua incompetência e incapacidade de levar a cabo as tarefas que estariam sob sua responsabilidade. Tais situações eram vividas com intensa angústia e pânico.

No decorrer de sua análise, ela começou gradualmente a fazer progressos e passava a situar-se de uma forma mais consistente e adequada no mundo profissional. Passou a enfrentar o marido não aceitando mais suas imposições agressivas.

Voltou a estudar e em pouco tempo foi aprovada em concurso público para um cargo de relevo. O início desta nova carreira foi difícil e marcada por momentos de retorno do sentimento de insegurança e incapacidade; no entanto foi gradualmente conseguindo auto-afirmar-se como uma funcionária competente e dedicada.

Durante sua análise ela foi capaz de descobrir os "significantes chefe" que vinham organizando e controlando toda sua vida...

Lembrou-se de um episódio que se mostrou decisivo para a construção do seu paradigma existencial: era então uma menina de 4 anos quando sua mãe resolveu alfabetizá-la, e como aprendia depressa, em um curto espaço de tempo já sabia ler. Poucos meses depois disto a mãe decidiu que deveria ir para uma escola. A recomendação que a mãe lhe fez desde o primeiro dia de aula foi a de não dizer nem revelar aos demais que já sabia ler. Maria, sendo uma menina muito obediente, seguia a ordem da mãe sem dificuldades, até que num determinado dia, inadvertidamente deixou escapar o segredo do qual era guardiã. Foi quando a professora mostrava uma figura de um objeto que tinha um nome comum regional, e um nome nacional, não familiar aos habitantes daquela comunidade. Sob o objeto estava escrito o nome nacional, e ao serem perguntados pela professora acerca do nome do objeto, Maria denunciou seu saber, ao ser a única a responder denominando-o pelo nome nacional. Nesse mesmo momento ela percebeu que havia desobedecido a ordem materna.

Sua mãe havia-lhe ordenado que negasse o fato de que sabia ler. Ao longo de sua vida passou a carregar esta culpa e inconscientemente dispôs-se a jamais tornar a decepcionar sua "querida mãe".

Ela se tornou alguém que não poderia jamais demonstrar ou confessar que ela sabia...

Poder-se-ia pensar que uma vez a paciente tivesse chegado a esta descoberta, seus sintomas desapareceriam e o trabalho analítico teria chegado a um feliz final como conseqüência deste trabalho de deciframento. No entanto, o trabalho clínico nos ensina que o relembrar tem suas limitações. Pode-se chegar àqueles pontos de fixação da história do paciente, através do processo regressivo, pontos onde a libido quedou ligada à representação do Desejo do Outro, mas alguma coisa insiste e vai além do trabalho de rememoração, e podemos dizer que isto se impõe como repetição em ato. Essa alguma coisa pode ser descrita como um "gozo superegóico" intimamente relacionado à compulsão de repetição.

Daí constatarmos que a rememoração é necessária mas não suficiente. "Você não deveria dizer que é capaz de ler", na medida em que a ordem da mãe tem o mesmo estatuto daquilo que Freud chama de memória encobridora: Lacan vai afirmar que há aí um desejo que vai além dessa significação. Este é o "desejo da mãe", ponto marcador de sua incompletude e sinal de sua Castração. O que essa analisante vai tentar fazer será preencher esse espaço de falta, oferecendo ela própria como um objeto obturador, na medida em que se identifica com o que lhe foi ordenado por sua mãe, impondo-se a impossível tarefa de fazer sua mãe completa, não Castrada, onipotente e instalada como uma mãe fálica.

A paciente deseja ser o falo da mãe e com isto negando sua própria castração baseada na presunção de que se sua Mãe pode ser completa e não castrada abre-se, então, a possibilidade de, também, a paciente poder escapar ao processo de castração.

Lacan afirmou que é devido ao processo de Castração que se torna possível o acesso ao registro simbólico, em outras palavras, é necessário atravessar o Complexo do Édipo como meio de se chegar ao mundo simbólico, ao mundo da linguagem.

A significação que nossa paciente tomou como guia e baliza de sua vida, como toda e qualquer significação pertence ao registro do imaginário: qualquer conteúdo poderia ser a resposta ao desejo da mãe; o que realmente importa é o continente, ou seja, a estrutura do sujeito do inconsciente.

Então, esta significação foi tomada pela paciente como se fora sua mais acabada verdade, mas uma vez decifrada ela ganha um outro estatuto, o estatuto de uma metáfora. Isto faz com que esta "verdade" possa agora ser permutada, trocada e graças a isto ela se torna o significante do desejo da mãe. Não seria necessário relembrar que qualquer significante não significa nada, ele apenas representa o sujeito para um outro significante.

Uma conseqüência deste processo metafórico é a de levar à conclusão de que a paciente não será jamais reintegrada ao corpo materno na qualidade de um objeto com poderes de preenche-la e completá-la. Como vemos, este acesso ao processo metafórico é condição essencial de se ter efetuado uma travessia satisfatória do Complexo de Édipo.

Vamos retornar ao ponto onde a frase da mãe responde para a paciente acerca do enigma do Desejo do Outro: "O que quer ela de mim?" "O que deve ser ou fazer para que eu me mantenha como objeto de seu desejo?"

A paciente capturou este fragmento dentre os fragmentos que ela viu e ouviu no processo de lembrar e devido ao processo regressivo que a conduziu à cadeia de significantes de sua história. Foi desse fragmento que extraiu a resposta que supostamente daria sentido ao enigma de seus sintomas.

Sabemos que, como meio de adentrar ao mundo da Cultura (Simbólico), uma criança deve portar uma significação que lhe sirva de passaporte para entrar na Ordem do Phallus. "O que devo ser ou ter para me inserir neste novo mundo?" "Talvez eu deva mostrar que eu não sei..."

O discurso da mãe estabelece-se como um imperativo categórico, uma voz de comando, similar ao imperativo estrutural que faz a inserção de alguém na ordem fálica, condição indispensável para a existência simbólica para os seres falantes.

Deve-se, no entanto, frisar que esta significação é apenas uma roupagem com a qual o falo se reveste e que poderíamos comparar a essas máscaras que se tem de usar para ir a um baile de fantasias.

Sabemos que o trabalho analítico vai lidar numa primeira etapa com as lembranças inconscientes, principalmente de cenas traumáticas. Esse trabalho é realizado no nível do Édipo e leva à articulação do sujeito a cadeia significante constitutiva de sua história e, então, promovendo a normalização dos padrões de identificação que organizaram sua subjetividade. Esse tipo de trabalho vai constituindo uma estrutura de borda devido à articulação e encadeamento da associação livre e ao trabalho interpretativo do analista. Este trabalho é condição necessária mas não suficiente para dar conta da meta psicanalítica.

Freud, em diversas ocasiões, nos demonstrou que devemos tomar outra direção após esta primeira etapa (é bom salientar que esta é primeira apenas por um abuso e limitação da fala, pois se trata de um seqüênciar lógico e não cronológico como ingenuamente seríamos levados a pensar) e isto deve ser percebido pelos conceitos por ele formulados acerca do "Além do Princípio do Prazer". Assim é que conceitos tais como: pulsão de morte, umbigo dos sonhos, unheimlich, ordem da castração, repressão primária, nos mostram que o campo da linguagem deve ser ultrapassado. É bom prestarmos atenção às palavras finais de Freud em seu "Além do Principio do Prazer": "Aonde não podemos chegar voando devemos chegar mancando".

A verdade está nessas coisas que mancam, que faltam, que caem fora da corrente do discurso.

Podemos concluir que o trabalho analítico se desenvolve na alternância destes dois campos que organizam a estrutura do Sujeito: de um lado o campo das representações onde prevalece a Ordem sob o domínio do Princípio do Prazer, lugar da cadeia significante onde o rememorar e o retorno do recalcado podem presentificar (Autômaton), do outro lado, o campo fora deste campo representacional onde o que prevalece é da ordem da repetição e que está subjugado ao "Além do Princípio do Prazer", e território do mundo das pulsões. Aqui não encontramos formas e sim espaços de vazio e de bordas que apontam para o buraco na estrutura. Este é o registro a que Lacan deu o nome de Real, e Freud assinalou que se tratava do coração do ser (Kern unseres Wesens).

Em resumo, o trabalho analítico deve ir além do retorno da cadeia significante e deve libertar o discurso do paciente de retornar infinitamente aos mesmos e repetidos temas, bem como desatar a pulsão dos significantes aos quais restou fixada. Para tornar isto possível, o analista deve operar nesses dois campos, por vezes fazendo interpretações no campo da linguagem e em outros momentos interpretando neste campo onde não tem palavras à sua disposição. Adentramos, então, uma outra dimensão, a do Ato, onde terá de produzir aquilo que é da ordem do corte, corte essencial para a mudança do discurso do paciente.

O fundamental desta proposta é, como já assinalamos, libertar o paciente da repetição dos mesmos e intermináveis temas aos quais ele desde sempre esteve fixado e propiciar um abandono de um caminhar em círculos que tenderiam a prolongar ad eternum uma análise, transformando-a num exercício inefetivo e sem fim.

A teoria subjacente a esta proposta é de que este tipo de repetição infinita do "mesmo" decorre de uma adesão irrestrita a um gozo que tem suas raízes na estrutura masoquística do paciente.

É bom salientar que este manejo da situação analítica não é isento de riscos e incertezas quando da sustentação do Ato analítico, já que este não é apoiado numa elaboração racionalista prévia e que as conseqüências do Ato não são conhecidas de antemão. Esta posição de risco tem seu suporte na própria análise do analista e decorre da própria experiência de sua "falta a ser" e sua incompletude advinda da operação de Castração. Tem sustentação também no Saber analítico resultado de longos anos de estudos e trabalhos teórico-práticos.

A eficácia da Psicanálise será o resultado desse trabalho para levar o paciente a criar novas formas e fórmulas devidas a mudanças não só em sua subjetividade mas também em sua posição relacional com os outros, com o mundo e com sua própria posição existencial. Singularidade e diferença devem ser a marca registrada de quem chegou ao término de uma análise.

Esse é um tipo de trabalho que não pode ser posto em números estatísticos; tampouco é possível mensurá-lo ou fazer disto uma universalização dos resultados em Psicanálise. Estes procedimentos seriam uma completa prova de que estaríamos nos desviando dos conceitos psicanalíticos fundamentais.

 

Keywords

Psychoanalysis - Unconscious - Symbolic Field - Real - Signifier - Linguistic sign - Traumatic - Scene - Deciphering - Act.

Abstract

The author demonstrates that the psychoanalytical work goes beyond the symbolic field and the efficacy of it depends upon the "management" and the position assumed by the analyst toward the Real register.

 

Bibliografia

Freud, S. Introduccion al Psicoanalisis. In: . Obras completas. Madrid: Editorial Nueva, s. d. tomo 2

Freud, S. Lo Inconsciente. In: Mas Alla del Principio del Placer. Madrid: s. d. tomo 1

Garcia-ROSA L. A., Freud e o inconsciente Rio de Janeiro J. Zahar.

Jorge, M. A. C. Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan. Rio de Janeiro: J. Zahar 2000

Quinet, A. A descoberta do inconsciente: do desejo ao sintoma Rio de Janeiro: J. Zahar 2000. 162 p.

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Revista de Psicoanálisis y Cultura
Número 16 - Diciembre 2002
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